Sanidade e realidade

Depois do nó do último post, e tal qual a evolução metereológica do dia, eis que surge um texto constrastante.

Hoje quero divagar por coisas sérias. Praxes académicas! Ah... não. Esperem! Coisas sérias e praxes académicas são realidades que só se cruzam no momento em que a estupidez humana ultrapassa todos os limites e as consequências são má onda (perdoem-me a adaptação de piadinha de mau gosto que ouvi nestes dias). Vou então deixar cair uma pedra sobre o assunto (Ups... isto não está a correr bem).

Bom... vamos lá mais a sério e com todo o respeito pelos casos recentes que resultaram em fatalidades. Eu fui estudante (é um bocado pretensioso da minha parte usar este termo mas pronto) universitário e nunca fui praxado nem alguma vez praxei. Mas fui integrado e integrei na medida do necessário e da vontade, minha e dos que me acolheram ou acolhi.
Na verdade os propósitos da chamada praxe académica são muito nobres mas parece-me que, em muitos casos, os meios são completamente desadequados. Existem várias questões que valia a pena explorar, vou apenas explanar alguns pontos de vista e deixar-vos depois puxar o autoclismo e ir à vossa vida.

As "tradições" académicas difundiram-se em cópias e imitações por todo o país e escolas de ensino superior sem que as raízes ou legado do passado existisse. Estas cópias mal amanhadas são perigosas e tendem a retirar ou a forçar a adaptação de determinadas regras (leis) de forma pouco sensata e com consequências nefastas.
Como em quase tudo defendo, cada macaco no seu galho, o espírito académico não é algo que se imponha por decreto, é algo que ou está ou não está enraizado na escola e na envolvente da mesma. Coimbra só é o que é porque a cidade, a população não estudantil, os estudantes, a realidade da dispersão das proviniências dos mesmos permitiram ao longo de décadas criar regras, condutas e formas de controlo muito próprias que, dificilmente, seriam impostas hoje noutro qualquer local.

Por outro lado, mesmo nos locais com grande tradição académica, conceber uma organização não leagalizada que dita regras e leis sobre o comportamento de terceiros e que exerce de forma quase totalitária o poder de aplicação das mesmas sem que a própria organização e seus membros estejam sujeitos a um controlo oficial é, no mínimo, uma ideia pouco feliz.

Para finalizar percebemos que muitos (note-se que refiro muitos e não todos ou a maioria) dos que se movem pela "nobre" missão de praxar estão longe de ser exemplos de estudante universitário. Estão mesmo longe de ser exemplos para a sociedade e dificilmente teriam algum tipo de poder noutra qualquer entidade ou função que não esta mesmo. Enquanto sejam apenas ignóbeis que tentam superar as suas frustações sentindo-se de alguma forma poderosos estamos nós bem (ou não), o problema é se as comissões de praxe começam a ser um instrumento de auto-promoção de "chicos-espertos", perigosos e mal intencionados e que isto lhes permita dar um salto para outros vôos ou "apenas" controlar as hostes académicas... Acham que estamos muito distantes? As associações estudantis, do secundário ao superior são há muito tempo altamente politizadas... a diferença é que são, por norma, entidades oficiais e legalizadas.

De qualquer forma é preciso distinguir os casos que surgiram recentemente, praia do Meco e ontem mesmo Braga. No primeiro claramente a estupidez humana excedeu os limites e devia haver consequências. No outro, e pelo que tem sido informado sobre a situação, qualquer grupo de amigos poderia decidir subir para um muro, mesmo que não fosse um local construído para o efeito, e o acidente ter-se-ia dado de qualquer forma.
Já todos fizemos coisas que não era suposto, com relativa noção de segurança e que de facto poderiam ou efectivamente resultaram em acidente.

Devia ter começado por aqui mas pronto... são profundamente lamentáveis todas e quaisquer perdas de vidas nestas circunstâncias onde apenas a boa disposição, convívio e integração deviam reinar.
Especialmente para quem perdeu familiares e amigos o especial pensamento, não é por brincar aqui e ali que sou mais ou menos sensível ao caso.


Se por um acaso...

Tentei escrever qualquer coisa... não saiu nada de jeito.
Sabem quando se quer "falar" mas não se encontra forma de o fazer? É isso.
Por isso nada a registar.

Fica o título. Se por um acaso o lerem... se por um acaso estiverem interessados no que por um acaso eu tivesse para dizer mas por outro acaso não consegui transpôr em palavras então, talvez um acaso vos leve a encontrar o verdadeiro sentido destas palavras. Se por um acaso houver algum sentido para lhes encontrar.

Relembro que muitas vezes é nos acasos que encontramos as melhores coisas da vida o que não deixaria de ser um acaso interessante, caso, e se por um acaso, essa fosse a consequência de lerem este post que por um acaso escrevi.

Nota: Por um acaso têm razão... o gajo não bate bem e nestas alturas bate ainda pior. Fica a promessa (ou será ameaça) de voltar em breve com maior sanidade mental. Até lá.

Homem do momento

Há coisa de duas semanas, disfrutando de um zapping na procura de um momento de distracção encontrei num canal que raras vezes frequento um programa que me prendeu a atenção - 28 minutos e 7 segundos de vida. Um programa dirigido por José Alberto Carvalho onde o protagonista, Manuel Forjaz debitava ideias próprias sobre o mundo, a sociedade e a sua doença. Manuel Forjaz padecia de um cancro de pulmão há pouco mais de 5 anos. É, já por si, um feito único, mas a aparente (ou não) coragem perante a fatalidade prende mais do que qualquer outro facto ou discurso.

Manuel Forjaz era, na minha opinião, o que eu designo por dead man walking. Esta expressão está associada ao início da caminhada final dos americanos condenados à pena de morte. Ora, num caso de uma doença onde a taxa de sobrevivência a cinco anos é de cerca de 15% (se não for peço desculpa, mas não andará longe) estamos perante uma condenação à morte sem dia nem hora marcada. Dito isto, Manuel transparecia a liberdade e despreocupação de quem não teme consequências. O estado clínico permitia-lhe um luxo de que qualquer outra pessoa, perfeitamente saudável e consciente, está privada.

Quanto a mim, este facto facilita o expôr das suas ideias por dois motivos.

- O primeiro, porque é mais simples para o comum dos mortais sentir-se "absorvido" e "concentrado" na observação de seres que considera em estado mais sensíveis ou fragilizados. A graça de um bebé, as "máximas" surpreendentes de uma criança de 5 anos, as palavras sábias de um idoso vergado pela experiência assim como as frases no leito de morte de um moribundo têm um eco em todos nós ampliado pelas circunstâncias e pelo penso emocional das mesmas;

- Em segundo, porque não necessita ter critérios. Pode dizer o que quiser, se cair mal muitos dirão "Coitado... já lhe está a afectar o cérebro", se cair bem muitos dirão "Palavras sábias de quem está às portas da morte e percebe o que realmente importa";

Esta aparente facilidade não invalida a competência de Manuel Forjaz no desenvolver de um discurso em que todos nós gostariamos de nos rever. Efectivamente desconhecia todo e qualquer facto sobre a vida deste Senhor, mas a conversa informal de dois amigos num estúdio de televisão prendeu-me, muito por culpa desta notável capacidade.

Por defeito de formação, ou por deformação de defeito, senti a necessidade de saber quem era Manuel Forjaz. Desconfio sempre da forma "cogumélica" (permitam-me que invente este termo, significa que surge de forma espontânea como os cogumelos) como surgem certas pessoas, empresas ou iniciativas e lancei-me na grande rede em busca de mais informação.
Encontrei muitíssimas referências positivas, sites, vídeos, programas, livro e mais rede houvesse sobre Manuel. Amigos da televisão, dos média, comentários de força, coragem, louvando os discursos motivacionais. Mas descobri também, uma reportagem da SIC onde se procurava obter respostas para o fecho de uma das empresas de Manuel Forjaz (Ideiateca) deixando dívidas a algumas centenas de pretadores de serviços em nome indivídual.
Nesta reportagem, e a crer na jornalista, Manuel Forjaz não deu a cara e delegou no escritório de advogados a responsabilidade de responder às questões colocadas.
Também na rede se descobrem sites e blogs que apelidam Manuel Forjaz de burlão, entre outras coisas menos simpáticas.

Tenho, naturalmente, tantas razões para acreditar no homem corajoso e aparentemente altruísta que, por acaso, se apresentou diante mim num programa de televisão como numa reportagem de televisão ou em blogs e comentários que surgem um pouco por todo o lado. Por desconhecimento na primeira pessoa do caso concreto, escuso-me a fazer avaliações ou a tomar partidos.
Não deixo, no entanto, de fazer notar que por regra, os discursos motivacionais, assim como as teorias intimamente relacionadas com o chamado empreededorismo, me dizem muito pouco. Gosto, e gostei como já frisei, do discurso de Manuel Forjaz, mas isso não me impede de separar águas. De perceber que a teoria exposta carece, normalmente, de respostas concretas. É muito marcante, mas também simples, dizer como o grande Raul Solnado "Façam o favor de serem felizes" ou com outro igualmente grande, António Feio, "Façam o favor de gostar uns dos outros" mas a questão que todos procuramos responder é "Como é que somos felizes?", "Como é que gosto dos outros e os outros de mim?".

O eco das frases soltas, ditas em circunstâncias emocionais específicas, é enorme. A consequência na prática das mesmas nem sempre, ou talvez raras vezes, é assim tão grande.

O empreendedorismo "surgiu" em força nos anos mais recentes, antes existia iniciativa privada, existiam os self made men (women), os génios, os inventores. Agora existem os empreendedores, que ainda não percebi bem o que são. A verdade é que de empreededores está o mercado cheio. E o efeito "cogumélico" que causam no panorama empresarial português está longe de ser benéfico.
Muitas das linhas mestras que oiço e leio sobre o empreendedorismo baseiam-se na máxima da não desistência, da tentativa e erro, do lançar-se ao alto mar numa casquinha de noz e tentar vezes sem conta até que um dia, talvez por sorte, se consiga sobreviver. Pelo meio, digo eu, afogamos um sem número de pessoas que connosco viajaram. O que se observa é que muitos dos projectos inovadores e empreendedores neste país acabam, mais tarde ou mais cedo, no fundo do mar e com eles são arrastados várias pessoas que não têm outra culpa senão a de terem acreditado que embarcavam num projecto sustentável com pernas para andar.
O problema não é da iniciativa, o problema está nos objectivos e na forma descuidada e egoísta como se pensa no projecto. O perfil do empreendedor actual, pelo menos como o vou entendendo, é idêntico ao perfil do que noutras décadas se chamava "um parasita da sociedade". São seres errantes, que empreendem com visões a curto prazo, com objectivos de lucro fácil e elevado, durante espaços de tempo reduzidos, muitas vezes apoiando-se na fortuna familiar ou na inocência de terceiros. Não têm, normalmente, objectivos de sustentabilidade, de crescimento e sobrevivência dos negócios a longo prazo. E porque acredito nisto? Porque se assim não fosse não veríamos surgir negócios em torno do nada, que duram muito pouco tempo, que procuram aproveitar necessidades efémeras dos consumidores ou até introduzir novas necessidades e que são, tipicamente, movidos pela onda da moda. Quando a onda se desfaz, desaparecem, deixando um rasto de dívidas e/ou desemprego e o empreendedor, muitas vezes salvando o investimento próprio que efectuou, segue para novo projecto inovador.

É por falta de respostas práticas, por falta de apoios técnicos e acompanhamento sério, por falta de projectos de negócio com visão a longo prazo, com objectivo de crescimento sustentável que me motivam muito pouco os discursos e eventos pro-empreendedorismo.
Mas confesso que a minha opinião não vale mais que a de outros, digamos que comparo este mecanismo de discurso motivacional aos PT's dos ginásios, há quem goste de ter alguém a contar o número de repetições aos nossos ouvidos, incentivando-nos para fazer mais e melhor, eu, pessoalmente, acho dispensável.

Manuel Forjaz parece-me que foi um homem capaz de retirar rendimento das circunstâncias da sua vida em proveito próprio. Fez doutrina, teve ao seu alcance os canais mais adequados para fazer eco da mesma, e ganhou uma notoriedade e uma credibilidade e que parecem fazer esquecer ou até mesmo eliminar toda e qualquer circunstância que possa manchar o seu percurso.
Teria sido importante, digo eu, confrontá-lo com as vozes que se ergueram contra o seu comportamento de forma tão mediática quanto foi difundida a sua doutrina. Em bem da verdade, em bem da clareza.

Agora é por certo tarde. Espero que descanse em paz e continuarei, por curiosidade, a ver os programas que perdi.