Sem voz

Estava eu no carro com a minha princesa, parado junto do Colombo, quando fui abordado por um rapaz, pedinte e, muito possivelmente, "agarrado", talvez à heroína, como facilmente se detectava pelo estado lastimável dos dentes ou do que restava deles. De notar que o moço estava vestido com uma camisola do equipamento alternativo do benfica (aquele cor-de-rosinha!) e, portanto, nem tudo lhe corre mal na vida.
Iniciou a conversa com "Boa tarde. Em primeiro lugar quero agradecer-lhe estar a falar comigo porque estou ali e ninguém olha sequer para mim.". Eu, armado em engraçado, respondi prontamente com um "Isso é da camisola..." entre um sorriso que imaginei fosse impedir qualquer tentativa de agressão por parte do pedinte adepto do benfica. Surpreso pela resposta atirou um "Como?!" e o gelo quebrou-se então quando repeti a piadola, já sem o mesmo efeito, ele sorriu e disse "Eu tou a rir mas...", "não tenho vontade nenhuma..." completei eu só para mim.
Seguiu a sua história, talvez muito real mas provavelmente muito bem estudada, "Estou desempregado... por causa de um...", olhou para a minha princesa e fez uma pausa, "ia falar mal...mas... por causa de um patrão que não descontava para a segurança social estou sem nada, na rua...não sou drogado, roubar nem pensar, o que lhe peço é que me dê qualquer coisa ou que venha comigo ali dentro comprar umas latas de atum e pão para eu comer."
A verdade é que me tinha convencido à primeira frase, a verdade é que as pessoas não ouvem sequer, tudo o resto pode ser a maior das mentiras e depois?! É dinheiro para a droga?! E depois?! A verdade é que cada um de nós só se preocupa com o seu umbigo...

Infelizmente não tinha a minha carteira comigo, não tinha sequer moedas por perto e foi isso mesmo que lhe disse com a promessa de não me ir embora antes de lhe dar qualquer coisa.
Antes de sair ele estava longe, não me via, deu-se conta e eu, já fora do estacionamento recuei para lhe dar as poucas moedas que tinha. Agradeceu-me com um "Obrigado por não se esquecer de mim e desculpe a camisola!"

Paradoxo

Há muito que me debato sobre uma questão paradoxal de complexidade elevada mas completamente ignorada pela comunidade internacional de filósofos e pensadores. Tomei a liberdade de baptizar a questão de Paradoxo do Lugar de Deficientes, designação que, como poderão analisar no decorrer deste post, é absolutamente pertinente.

Vejamos... segundo a lei os lugares de deficientes estão reservados, por incrível que pareça, a portadores de deficiência. Assim quando um indivíduo aparentemente desprovido de qualquer deficiência estaciona num destes lugares está a cometer uma infracção, a abusar e a faltar ao respeito a pessoas que realmente têm direito do seu usufruto. No entanto, podemos assumir que esse infractor deverá ser portador de alguma anomalia psíquica que o impede de ter bom senso e educação o que o torna, à luz do que se assume ser deficiência, portador da dita e por consequência, passa a ter direito de estacionar no lugar amarelinho... mas se é assim, o facto que causou a provisória deficiência deixa de ser relevante, ou seja, estacionou por direito próprio num lugar de deficientes o que o torna, de acordo com o processo de construção desta análise, normal...

Posso prosseguir nesta divagação mas não faz qualquer sentido percorrer ciclicamente este paradoxo, não tem solução, deixo-vos entregues à cascata de pensamentos que por certo este post vos induziu!

Sem palavras...

...e com muitos pensamentos ou não. A verdade é que, como rio que corre para a barragem (que linda imagem!!!), sinto-me a encher mas sem conseguir abrir as comportas... acho mesmo que nem o caudal ecológico estou a garantir.
Do ponto de vista da conservação da natureza isto é um verdadeiro atentado, do ponto de vista da conservação da saúde também me parece que o é. (pela primeira vez na vida termino uma frase com "o é", o que me faz lembrar a exclamação brasileira "ué?! cê num sabia?" e que neste contexto é perfeitamente ridícula assim como este comentário que podia apagar mas parece-me que demonstra o que escrevo.)
Torna-se cada vez mais óbvio o que comecei por dizer, escrever neste caso, tento abrir a comporta um pouquinho e resulta nesta verborreia complexa e sem sentido aparente ou mesmo sem sentido.

Exercício: Escrever tudo o que se pensa e depois estabelecer uma lógica, organizar, hierarquizar e catalogar.
Resultado: Bolas... não há pachorra! Vá lá um tipo organizar esparguete num prato de carbonara... ou mesmo de bolonhesa! (mais uma bela metáfora... estou imparável!)

Mas lá está, a comida, é um bom tema para quem não tem tema... devia escrever sobre os meus calzones acompanhados de daiquiris de fruta ou mesmo das minhas tostas no forno ou ainda das minhas azeitonas com mel! Fica a promessa de uma foto e as receitas num próximo post, tenho que diversificar os temas deste blog e a cozinha é um tema fácil para mim, sem qualquer ponta de modéstia...

De volta...

...ou voltando aos poucos.
Houve muitos motivos para escrever durante as últimas semanas o tempo e a cabeça é que não permitiram nem uma palavrinha... estranhas semanas, em que o trabalho nos enche e faz desaparecer tudo o que nos rodeia para depois nos deixar com a sensação de ressaca e vazio de um dia para o outro. Ganham-se e perdem-se experiências, momentos e sensações únicas mas... a procura da mudança torna-se cada vez mais imperativa.