É Natal, é Natal...

... laaa la la la laaaa...
Pois é. Cá estamos de novo nesta época de alegria e festividade, onde os mais nobres sentimentos florescem, a compaixão e a solideriedade brotam das almas mais fechadas e frias, as famílias se reencontram trocando gestos de amor.

As instituições de ajuda procuram a todo o custo arrecadar preciosos fundos para subsitirem mais um ano, o Banco Alimentar pede conservas, a Cáritas pede leite, não sei quem pede ajuda para a criancinha doente, não sei quem mais suplica por uma mão amiga e nós, todos nós, multiplicamos e vemos multiplicar os apelos, fazemos eco dos mesmos e é tudo bonito e caloroso até que chegamos a dia 26 de Dezembro...

E acabou-se. Bem... embora lá fazer o que sempre fizémos e borrifar-nos em todos os outros. Acabou a época lamechas. Dia 24 ao final da tarde passámos por aquele sem abrigo de olhos tristes e mão estendida  e não resistimos a retirar umas moedas do bolso. Fomos mesmo até ao café mais próximo e comprámos uma pequena refeição rápida que lhe saciou a fome. No dia 26 de manhã, passámos pelo mesmo sem abrigo que nos sorriu, como resposta viramos a cara e fingimos que ele não existe.

Afinal de contas esta é a época da hipocrisia. A época de fazer parecer o que não se é. A época do peso na consciência por tudo o que não fazemos durante o resto do ano. Ou mesmo a época em que nos voltamos para a ajuda a estranhos por não termos conseguido, ou querido, prestar esse mesmo apoio a quem de nós está mais próximo.
Mas só dura uns poucos dias. Depois... Ahhh depois... Depois é a merda de sempre e voltamos a ser os merdas de sempre.

Quanto às instituições, louvável o trabalho que desenvolvem mas, já pensaram quem mais ganha? Vejamos...
Em primeiro lugar, as cadeias de supermercados que se associam aos peditórios (por exemplo). Todos os produtos adquiridos revertem em lucro para essas cadeias e poucas são aquelas que "oferecem" parte desse lucro às mesmas instituições de ajuda com que colaboram.
Depois vem o estado, que poupa imenso ao não prestar o serviço que lhe cabe por obrigação e para o qual todos contribuimos na forma de pagamentos à segurança social. Por outro lado arreacada ainda um valor exorbitante em IVA dos produtos recolhidos e pagos por nós.
Por último, as instituições, elas mesmo que recebem fundos do estado (de todos nós) para desenvolverem uma actividade não fiscalizada e com benefícios fiscais significativos.
A verdade é que não acredito em boas acções deste tipo, a verdade é que prefiro as minhas boas acções onde tenho retorno imediato.

Teoria da conspiração? Talvez... Péssimismo? Talvez sim, talvez não... Acredito que a hipocrisia tem os dias contados e talvez para o ano, ou talvez daqui a muitos anos sejamos todos mais nós durante mais tempo ao longo de cada ano.

Cenas...

E se um dia acordamos com uma enorme vontade de não acordar?
Isso acontece-me todos os dias, alguns dirão... mas não, não é bem isso. Explico... acordar com vontade de não acordar mais. Com vontade de adormecer no sono eterno. Ou, de uma forma menos metafórica, com vontade de morrer.

Certamente todos, pelo menos uma vez na vida teremos tido esses pensamentos, não suícidas, não são bem assim, são mais pensamentos de apressar o tempo ou mesmo de adivinhar o futuro.
Mas quando acontece, que fazer?

Respostas óbvias serão:

- "Ok... levantas-te ligas a um amigo, combinas um café e esqueces essas ideias malucas" ou ainda,
- "Que raio de ideias! Toma juízo e vem dar-me um abraço!" ou ainda,
- "Tu tens ideia da falta que ias fazer?!"
- "Vais até à falésia mais próxima e saltas." ou ainda,
- "Vai-te matar!" ou mesmo ainda,
- "Vai morrer longe e não me chateies!"

Mas não é de respostas óbvias que ando à procura. Para ser sincero nem eu sei bem o que ando à procura mas a ideia surgiu (não de agora, será mais recorrente) e é pouco relevante se é pertinente ou não, interessa isso sim obter uma resposta.
Se à questão juntar a expressão tão popular "As pessoas só dão valor ao que têm quando o perdem" (assim ou qualquer coisa parecida) torna-se mais claro o importante que pode ser obter respostas não óbvias.
A minha curiosidade, e talvez a curiosidade da maior parte das pessoas, não fica indiferente à dimensão deste cenário. Desde logo não é indiferente ao comportamento e pensamento do resto das pessoas, daí que, obter uma resposta deste tipo me abriria novos horizontes. Pelo menos a percepção da realidade seria bem mais clara.

E se fosse possível morrer para voltar a viver?
E se fosse possível saber o que cada uma das pessoas que nos rodeiam sentiriam e passariam se, de um momento para o outro o nosso espaço ficasse vazio?
É assim uma daquelas respostas para 1 Milhão de Euros. Era entrar no jogo sabendo todas as tácticas escondidas. Era poder dizer à pessoa X "Eu também não preciso de ti!" e à pessoa Y "Vou estar sempre aqui!" com toda a certeza de não cair na desilusão que ambas as afirmações carregam quando mal aplicadas.

Mas no fundo, a verdade, verdadinha, é que esta dúvida não existiria, este cenário não aguçaria a curiosidade de ninguém, se todos e cada um de nós fosse totalmente transparente no que toca às relações sociais que mantemos.
Mas como nem todos são assim, como nem tudo é transparente, a dúvida mantem-se e outros dias virão em que se acordará com o mesmo pensamento que nos aguça a curiosidade mais mórbida.

A man got to do what a he got to do

in Grapes of Wrath, John Steinbeck.

Talvez desenvolva o tema num próximo post mas de momento é a frase do dia, e espero seja a frase que marque o futuro.

II - Momentos

Debatia-se com com a chuva diluviana e as rajadas de vento mas a intempérie desenhava-se como um mal menor dado os acontecimentos recentes na sua vida.
A cara lavada em lágrimas, ou seria da água da chuva que o vento insistia em arremessar contra si. Os pensamentos perdidos nos instantes anteriores quando o chefe lhe comunicou que, devido a cortes orçamentais, acabara de perder o emprego.
Na verdade sabia que era uma desculpa esfarrapada, como tantas outras que utilizaram para a submeter a anos de esforços não recompesados em prol das contas bancárias das chefias.

O triste acontecimento seria por certo bem menos triste, e até bem alegre, se não se apresentasse como a cereja no topo do bolo, ou do pudim, ou de outra coisa qualquer daquelas semanas catastróficas.
É bem verdade que há muito desejava que a "convidassem" a abandonar o trabalho que exercia há mais de três anos mas nos últimos dias tinha sido o salva-vidas a que se agarrara para aliviar o peso dos pensamentos.
Naquela semana fatídica terminou a relação que prometia resultar em casamento. Terminou porque tinha de terminar. Talvez porque não tinha mais por onde crescer, talvez porque tenha descoberto que o namorado, que tinha como certo e até ao fim da vida, se tinha envolvido com a sua melhor amiga, ou talvez porque simplesmente assim estava escrito no guião da sua vida.
Na semana anterior o irmão mais novo, com problemas de toxicodependência e em recuperação há largos meses, recaíu, roubou todos os valores de casa e voltou às ruas. No mesmo dia, ao fim da tarde, procurou-o pelas ruas e descampados decadentes onde dezenas de silhuetas cambaleantes se arrastavam atravessando-se na sua frente como se fosse invisível. A procura não teve qualquer sucesso e na manhã seguinte a família acordou sobressaltada com a visita de um polícia que trazia a má notícia, uma dose mal calculada, no desespero da ressaca, explodira no interior das veias do "puto". Fora recolhido, já sem vida, do interior de uma manilha de esgoto.
É certo que se acabara de vez o desassossego mas também se acabara de vez a esperança em relação ao futuro do "puto". A família desmoronava-se, a mãe afundava-se numa forte depressão, o pai deixara o lar anos antes não suportando o peso de ter um filho "agarrado" e Maria sentia-se o fiel da balança, tentando a muito custo garantir a sanidade mental, sua e de sua mãe, como única forma de sobrevivência.

A chuva não abrandava quando rodeou a esquina de acesso à rua de sua casa. A rua iluminava-se a espaços pelos pirilampos rotativos de uma ambulância que se encontrava parada junto da porta do seu prédio. Sentiu um soco no estômago e a respiração acelerou repentinamente, procurou soltar algumas palavras para si própria mas o som não saiu, largou a correr, com as calças ensopadas a limitarem-lhe os movimentos. A curta distância parecia-lhe imensa, e sentia-se mais distante a cada passo e enquanto começava a reconhecer os rostos preocupados dos vários vizinhos que se abrigavam na entrada do prédio.
Alcançou a ambulância no momento exacto em que fechavam a porta traseira. Procurou perceber o que se passava quando a vizinha da frente a abordou, abraçando-a e pedindo-lhe calma.
No instante seguinte as suas pernas não resistiram ao seu peso, ajoelhada no passeio encharcado amaldiçoava o seu destino.

Lágrimas de revolta

O sabor amargo da tristeza de saber que é tarde demais é sem dúvida das piores sensações que se podem ter. E o sabor espalha-se por mim numa crescente angústia por saber que é tarde demais, hoje é tarde demais e já ontem foi. E quantas mais situações destas têm de surgir para que acorde de vez e perceba que não se pode viver como se fosse certo que tenho sempre o amanhã, e o depois de amanhã e todos os dias que se seguem? Foda-se! Não tenho. Ninguém tem.

Permitam-me que utilize o vernáculo português. Não é mais do que uma homenagem a quem o utilizava com a naturalidade de quem decora o falar. Uma homenagem a quem juntava à pronúncia tripeira umas quantas palavras "requitandas" e uma boa disposição constrastante com a merda de vida que o destino lhe reservou.

P'ró carago com as conversas sobre como tudo na vida é harmonioso e construído de forma justa e equilibrada. Qual harmonia?! Qual merda... não são só palavrões que marcam a diferença. Aliás, não são mesmo os palavrões que marcam qualquer diferença. É a alegria. A ingenuidade de quem se vê forçado a "crescer" mais do que é humanamente possível, agonizando, entristecendo, sofrendo mas que mesmo assim, contra tudo o que é "harmonioso" e "equilibrado", sorri e faz sorrir.

Era impossível estar triste junto dela. De todas as memórias apenas um pormenor em comum, o humor contagiante que nos bons e maus momentos surgia. Com tiradas inoportunas que quebravam toda e qualquer resistência que se pudesse ter a uma boa gargalhada.
Mesmo com as lágrimas nos olhos, com o peso das memórias dolorosas conseguia ridicularizar a sua própria realidade e encontrar uma qualquer baboseira, numa estratégia de auto-terapia, causando aquele incómodo nos presentes de não saber se chorar ou rir.
Estou certo que será sempre sinónimo de riso. Sinónimo de infinitas partidas e ideias peregrinas que de tão inusitadas faziam a minha delícia.

Hoje já é tarde. A merda do destino não soube esperar. Não soube ser diferente.
E nós, tão merdas quanto o destino falhámos mais uma vez. Falhámos porque a porra da nossa vidinha, que espremida resulta em muito pouco, se torna mais importante que todos os gestos e esforços que deveríamos fazer para impedir que fiquem coisas por dizer. Coisas por fazer. Para impedir que a merda do destino leve a sua avante.

A vida é uma treta. A justiça e o equilíbrio ou não existem ou têm de ser vistos numa prespectiva tão macro que não interessam um caralho! De que vale ter nascido mais um chinês a testículos de distância daqui quando nos levam um amigo?! É essa a perspectiva de equilíbrio e justiça?! O destino esse... é o que se vê. Mas o pior de tudo... somos nós, as pessoas. Nós que viramos as costas aos nossos amigos. Incoscientemente, mas em muitos casos também conscientemente. Nós que dizemos amanhã ligo, quando sabemos que simplesmente não vamos ligar. Nós que não mexemos o traseiro da nossa zona de conforto para fazermos o que seja pelo próximo. Nós que procuramos a nossa felicidade e olhamos para o próximo como degraus para a atingir.

Generalizo, porque de uma forma ou de outra todos nós tempos pequenas, ou maiores, manchas no nosso perfil que encaixam neste mundo merdoso. Claro que não me revejo em todas estas características... mas se calhar estou errado. Se calhar não me distingo em muito de outros que assim que se julgam livres de toda e qualquer tristeza abandonam sem qualquer peso de consciência quem os acompanhou nos maus momentos.

Talvez não sejamos muito diferentes uns dos outros. Mas isso só reforça a minha revolta contra a crise de valores, a crise de tempo que esta merda de sociedade nos oferece. Ou seremos nós que as oferecemos à sociedade?!

Hoje... hoje é tarde demais. E amanhã? Será que ainda vamos a tempo?


I - Um novo início ou o príncipio do fim

Vivendo paredes meias com a desilusão, deitado, ou deitada na cama com a tristeza, mata a sede com as pequenas gotas de felicidade que, de quando em vez, escorrem pela face e se misturam com as lágrimas, deixando o doce salgado na ponta da língua que se solta de revolta. Mas a revolta não basta para vencer o eco mudo do poço imenso em que se afunda e os seus gritos vão pouco mais além. Batem forte nas paredes húmidas frias de pedra para o, ou a atingirem de novo com uma violência ímpar.
Ele, ou ela percorre os dias, de pés atolados na lamacenta realidade e sempre de cabeça erguida olha para lá longe, onde se abre o horizonte. É nessa visão, qual oásis impossível de alcançar, que ganha forças para continuar.
Ele ou ela, sei lá, eles... talvez nós... Impossível perceber quem ou porquê, na certeza porém de que iniciamos uma história. As histórias não começam no início, começam no ponto em que as queremos começar. Não têm de começar com certezas, muito menos com nomes ou verdades absolutas, começam como apetece que comecem.
As melhores histórias começam com interrogações, com um confuso ar de espanto, com uma incerteza de quem não sabe se quer ouvir até ao fim, ou de quem não sabe se quer contar até ao fim.
Talvez esteja a começar a contar qualquer coisa, mas ao certo não se sabe o quê. Nem sequer eu sei o quê.

Ele, ou ela, vagueiam pela cidade de pés enfiados nuns AllStar rotos, de sola gasta que parece arder sobre o alcatrão amolecido pelos quarenta e tal graus que se fazem sentir.
Está numa cidade que não conhece, bom... conhece no sentido lato. Aterrou neste sítio há coisa de quatro horas e já percorreu uns quantos quilómetros a pé, vagueando, procurando uma pista que lhe indique o caminho que deve seguir, de preferência uma boa pista.
Chegou sem planos, com a incerteza de quem não sabe para onde vai e a certeza de quem não quis ficar onde estava. Onde chegou e de onde veio é de somenos importância. Se chegou de avião, barco ou comboio, ou outro meio qualquer também não acrescenta muito à história. Até pelo motivo que atrás frisei, o início da história é quando se quer, e eu quero que o início da história seja no momento em que os pés suados revistidos do que resta de uns AllStar sufocantes se arrastam pelo asfalto de uma cidade que, para o caso, também não interessa qual. Importante é que está calor. Quarenta e tal graus... à sombra... às quatro da tarde.

Ele, ou ela, pouco importa, procura um sítio, o seu sítio. Para descansar, tomar um banho e recomeçar uma vida que aos trinta e poucos anos de idade ainda não lhe fora outra coisa senão madrasta.
Deixou os amigos e a família. Mas afinal não havia muito que deixar. Os amigos sempre se revelaram de ocasião. A família ruíu com o peso do destino. Aos trinta e poucos anos de idade, ou seriam vinte e poucos?! Bom... os suficientes para parecerem meia vida sentia-se de novo livre e pronto, ou pronta, para um novo começar.
A sede crescia e o estômago colava-se às costelas. No bolso uma nota e alguns trocos de uma moeda que de pouco ou nada serviam naquele local.
Os olhares estranhavam aquela figura que se movia cansada e observadora. Não se sentia abraçado, ou abraçada por qualquer olhar, não se sentia bem recebido, ou bem recebida... sei lá.
Parece importante definir pelo menos o sexo da figura para não me tornar repetitivo. Seria mais dramático que fosse uma figura feminina, mas seria mais óbvio que fosse uma figura masculina. Porquê? Não sei... parece-me. E afinal sou eu que estou a contar a história. Cheguemos a uma conclusão. É uma ela, ser feminino de cara bonita, pele veludo e olhar triste. Uma ela de seu nome Maria... ou não... O nome pouco importa no caso. Mas aceitemos Maria. Maria procurava onde dormir. Vagueava por uma cidade desconhecida e aventurava-se por ruas pouco iluminadas quando o sol começava a adormecer.

A brisa cálida vinda de sul trazia-lhe algum conforto depois de horas a caminhar ao calor. Sentou-se num passeio, junto de um prédio que lhe parecia uma pensão, ou algo do género.
Em breve percebeu que era olhada de lado pelas vizinhas de roupas minimalistas de cor garrida e saltos demasiadamente altos. Os breves minutos de descanso acabaram num sobressalto. Uma mão masculina agarrou-lhe o braço e num gesto brusco forçou-a a levantar-se.
Antes que pudesse reagir ou gritar por auxílio foi empurrada para um mercedes preto de vidros fumados que arrancou de imediato.

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Cinco dias fora daqui

Um comboio no mundo da fantasia que nos faz sorrir, um olhar sobre o vazio que nos corta a respiração.
As viagens são feitas de pequenos momentos que perduram no tempo, as viagens levam-nos para longe mesmo quando fisicamente apenas nos movemos alguns quilómetros.

Nos dias que correm qualquer viagem me traz o desejo de não voltar, soltar amarras e procurar novos espaços, novos ares. Bem sei que é diferente o visitar do viver, também sei que esta não seria a minha primeira opção para uma mudança mas sente-se uma energia cada vez maior que me procura arrancar as raízes, libertar-me do que me prende e levar-me para outro lugar onde um novo começo me permita crescer para uma nova realidade.

O bom que é quando nos sentimos livres e donos do nosso destino... já lá vai o tempo. Restam os momentos e os sonhos, que esses só morrem connosco.




Reunião de condomínio

Estive ontem presente numa reunião de condomínio, felizmente não do meu. Devo confessar que foi uma experiência única que gostaria de não ter de repetir mas que me enriqueceu imensamente.

Fui à dita reunião como representante de 2 dos proprietários, que para sua felicidade não podiam estar presentes, cheguei, toquei à campainha à entrada do prédio esperei, voltei a tocar e finalmente lá me abriram a porta (sorte que durante este lapso de tempo o temporal acalmou!).
Subi ao segundo andar e a porta estava aberta, mas ninguém esperava por mim, pensei "bom... algum vizinho saíu e já volta." Fui entrando, mas o meu "Com licença." foi interrompido pelas náuseas provocadas pelo aroma que se fazia sentir, uma fragrância resultante da mistura, em quantidades significativas, de urina de cão e, muito provavelmente, de idoso com problemas de próstata, com um leve toque de seborreia canina envelhecida no pelo do próprio animal... um autêntico "gourmet" das fragrâncias clássicas.
À porta da sala cruzo-me com o nosso administrador, aliás, queira desculpar, Sr. Presidente da Assembleia de Condóminos. Estendo-lhe a mão para o cumprimentar, tentando esquecer o aroma e a ideia de mãos sebentas que me passou pela cabeça, e não é que o Sr. Presidente me ignora tentado passar por mim para ir fechar a porta! Ainda grunhiu qualquer coisa como "Deixe-me ir fechar a porta que alguém deixou aberta!" o que me fez de imediato pensar "Veja lá se o alguém não lhe abre essa testa ao meio!".
Cumprimentei os restantes codóminos presentes, puxei uma cadeira e entretanto lá chega o Sr. Presidente a esticar-me a mão para me cumprimentar... pensei em coçar os testículos antes de apertar a mão mas não me vai no sangue... lá o cumprimentei.
Depois... bom, depois começou o circo. O Sr. Presidente iniciou a reunião em perfeita histeria, eu é que falo, eu é que sei o que se tem que discutir aqui, eu é que sou o Presidente! Um nova proprietária, na sua reunião de estreia ficou de tal modo chocada que foi soltando alguns comentários como "Vim parar a um prédio complicado." ou "Assim não vamos falar de nada.". É importante causar boa impressão... O Sr. Presidente sabe disso e tratou logo de focar a sua atenção na nova proprietária, passando o resto do tempo a dizer "Com calma, ponto por ponto, eu estou a tentar dar conhecimento à nova vizinha da informação que grunh, grunh, grunh e é importate que esteja a par do que grunh, grunh, grunh... posso?! posso?! deixam-me concluir?!" (sendo posteriormente interrompido por não adiantar qualquer informação útil).
Mas eu compreendo o Sr. Presidente, provavelmente este será o cargo de maior responsabilidade que ele, homem dos seus 40 e tal anos que ainda vive com os pais, alguma vez assumiu (ou assumirá) e é normal que leva as coisas muito a peito. Mas confunde um pouco as suas responsabilidades com as responsabilidades do condomínio o que traz vários problemas. A reunião continuou num clima de estupefacção (de todos os condóminos), histerismo em defesa do bom nome e honra por parte do Sr. Presidente (note-se que nenhuma das coisas foi posta em causa) e uma pitada de comédia, drama e fantasia que tornaram a reunião suportável.
Para terminar, qual cereja no topo do bolo, um dos condóminos levantou a possibilidade de entregar a administração do condomínio a uma empresa. Eis que o Sr. Presidente se levanta e grita "Ah! Aí está onde vocês queriam chegar!". Pensei que estava a ouvir "Golpe de estado! Golpe de estado! Resistirei! Eu sou o Presidente da Assembleia! Eu tenho o poder!"... e a reunião terminou pouco depois... o estado novo está por fio a oposição está mais unida que nunca.

Maré negra...

Cada vez que penso na expressão que escolhi como título desta história lembro-me sempre de uma "história de quadradinhos", julgo que da turma da Mónica, em que um personagem negro (também aqui sem certezas, penso ser o Pelezinho) se debatia com uma crise existêncial, desabafando com a professora sobre as variadas conotações negativas atribuídas à cor negra.
A professora pacientemente enumerou exemplos de coisas positivas que eram negras, por exemplo o quadro negro da escola, o petróleo negro que permite o funcionamento de tanta coisa, etc, etc, etc... No final, já com o jovem mais animado, a professora remata com "Vê, você estava apenas atravessando uma maré negra..."

Se não era bem assim, ou se não era da turma da Mónica ou mesmo se não eram estas personagens a ideia era esta. E, mesmo de forma pouco precisa, esta história surge-me sempre que vejo ou ouço a expressão "maré negra".
E porquê toda esta conversa? Bom... estou como o Pelezinho. Numa maré negra.

Se em tempos bastava pensar na história para aligeirar o pensamento, hoje em dia a coisa já não é tão linear. E eu sei os riscos de entrar numa espiral negativa, pessimismo atraí coisas negativas, optimismo atraí positivas. É uma lei mais do que comprovada na prática. Não que não aconteçam coisas más a optimistas, mas a atitude positiva permite ultrapassar rapidamente os problemas e até reduzi-los à sua insignificância.
Pelo contrário, uma postura mais pessimista aumenta os problemas a níveis ridiculamente insuportáveis, não resolve e acumula o que em pouco tempo se transforma num fardo demasiado pesado para qualquer pessoa.

Não me vejo como pessimista mas o certo é que os pequenos problemas em que tropeço têm sido demasiados e demasiado concentrados no tempo. Um pequena pedra no caminho afasta-se facilmente mas muitas pequenas pedras, atiradas em simultâneo para o caminho bloqueiam-nos a passagem.

As pessoas não param de me surpreender...

..pela negativa.

Não haja dúvida que o que é verdade hoje é mentira amanhã e vice-versa muito graças à fraca personalidade de muitos.
Será muito errado pensar que vivemos num mundo de invertebrados?!

Há dias assim

Do cansaço acumulado, do stress do trabalho (ou stresse ou mesmo estresse como pretendem que se escreva na nossa língua) ou mesmo da dura tarefa que é viver resultam dias assim.
A pressão imensa sobre a forma abstrata de peso no corpo e mente esmaga-nos. Resiste-se como se pode, luta-se carregando num esforço inglório em cada tecla do computador, resolvendo puzzles de pouquinhas peças que assumem a dificuldade máxima num cérebro que queima um pouco mais a cada segundo. Na garganta um nó imenso sem motivo ou com todos os motivos.
No email, no telemóvel, ao lado, em frente ou do outro lado da sala solicitações e pedidos alheios às dificuldades que se sentem.
No email, no telemóvel, ao lado, em frente ou do outro lado da sala não chega uma promessa de ajuda. Não surje uma mão amiga que por não ser pedida tem o valor de sentir o que nem sempre é fácil sentir - as dificuldades de um amigo.
Fugir é o remédio, ou não. Conduzir a terapia. O ar fresco do final de dia entra pela janela e espanta cabelos e, numa esperança pouco segura, espantará também as agonias. Foge-se mas fogem junto todas as causas que nos faze fugir e como diz a canção (enorme canção) só se está bem onde não se está.
Convivemos, nos mínimos, nota-se a agonia, sabe-se da tristeza mas de nada vale saber sem ter solução.
Na queda de um som, na passagem de uma imagem ou de um vídeo, na frase solta dita para todos e para ninguém, solta-se finalmente a alma e o desabafo toma forma de lágrimas que não solucionam mas ajudam.

Há dias assim onde o desabafo é com os próprios botões ou com mais uma gota, uma simples gota de água que mergulha no anonimato entre a imensidão do oceano. Há dias demais assim...

A vida num momento

Procurou refugiar-se por uns dias no seu recanto de eleição.
A decisão tomada em cima da hora apenas lhe permitiu atafulhar um pequeno saco de viagem com roupas escolhidas ao acaso numa lógica matemática que não tinha a certeza de estar correcta. Calculou que ficaria apenas três dias, no máximo cinco, fora e a multiplicação permitiu-lhe seleccionar rapidamente roupa interior, t-shirts, alguns calções de banho e um par de calças. Já em viagem percebeu que talvez a Primavera instável o surpreendesse com dias menos agradáveis o que poria em causa a lógica primária utilizada para preparar a roupa. Relegou para segundo plano as preocupações que o assistiam, desligou o telemóvel e seguiu em velocidade cruzeiro rumo a sul.

Sem alojamento reservado, com destino tão vago quanto é uma cidade à beira-mar apinhada de alojamentos variados, a sua mente esvaziava-se por completo e a viagem decorria com a monotonia habitual das viagens solitárias. Os olhos semi-cerrados, num estado catatónico acelerava a velocidades censuradas pelo código da estrada absolutamente concentrado no nada. A fuga prossegiu sem interrupções ou arrependimentos.

Após um par de horas alcançava o destino, localidade amada por si que representava um sonho e um local de refúgio a que recorria frequentemente. O sol quase beijava o mar salgado na linha de horizonte, sentia o fervilhar das águas, que agitadas se manchavam com a cor cálida do astro-rei. Abriu os vidros e sentiu o aroma familiar, o doce aroma que normalmente o fazia recuperar miraculosamente as energias perdidas. Desta feita a sensação de renascimento pouco se fez sentir. Percebeu naquele momento que era grave. Afundou-se por demasiado tempo sem ter reacção, estava agora mais em baixo do que alguma vez estivera e nem mesmo a terapia habitual lhe permitiria recuperar rapidamente.

Antes de procurar um alojamento atravessou a cidade e dirigiu-se às falésias. Aí poderia testar em definitivo o poder regenerador daquele local. Chegou e o sol parcialmente oculto pela ondulação desenhava um ambiente próprio para a reflexão. Propositadamente ou não o cenário estava criado. Aproximou-se do precipício com cuidado e sentou-se numa pequena pedra de equilíbrio aparentemente instável. Assim ficou, olhando o horizonte. Em seu redor planavam gaivotas recolhendo a terra e adivinhando tempestade.
A banda sonora era composta pelo som da ondulação que explodia em espuma no seu eterno confronto com a rocha e ecoava na falésia, pelo esporádico pipilar das gaivotas e pela brisa, normalmente forte naquele local, que assobiava na vegetação e nas perfurações esculpidas pelo mar.

Procurava respostas para dúvidas que não tinha a certeza de ter. Procurava soluções para problemas que sabia que não deveria ter. Encostou a testa aos joelhos, aninhou-se numa posição de pranto e alimentou um mar que é certo e sabido sempre foi alimentado pelas lágrimas dos que nele procuram consolo.
O céu coloriu-se daquele azul petróleo, azul quase noite, com a luminosidade suficiente para que pudesse regressar em segurança ao carro. Sentiu-se mais leve, mais aliviado e ergueu-se para seguir o trilho de volta.

No primeiro passo a pedra que lhe serviu de apoio cedeu e a perna de apoio fugiu-lhe descontroladamente. Fugiu-lhe como lhe fugiu a vida, como ele próprio fugiu da vida. Caiu desamparado sobre a terra alaranjada e dura. A pancada provocou-lhe uma dor aguda que ignorou de imediato ao sentir-se escorregar pela falésia. Esticou a mão agarrando-se à pedra que agora se soltava e o deixava sem apoio, sem apoio como conhecidos e amigos o deixaram. Tentou fincar os dedos na terra que de tão assente não lhe permitia abrir fendas onde se segurar. Desesperado sentia-se puxado num movimento que não conseguia impedir.
No curto tempo que durou o vôo resumiu a sua vida aquele momento. Percebeu que tinha sido um enorme acidente, que todos os apoios que tivera cederam ao seu peso e que o fim, inevitável e certo, traria a mais elementar justiça à sua existência. Por fim uma pancada seca ecou da rocha banhada pela espuma salgada, de um corpo que já não resistia, habitado por uma alma que já não lutava.

Pelas ruas de Lisboa


Faz-me falta

Na bipolaridade dos dias o sorriso alterna com a depressão com uma velocidade vertiginosa. A banhos de vitamina D seguem-se banhos de cinza que escurecem as horas e desalegram a felicidade.
A escala de cinzas também tem o seu encanto mas tem o seu tempo, tem o seus momentos e depois devem dar lugar a outras cores a outros sorrisos.

Faz-me falta o Sol. Faz-me falta a cor. Faz-me falta o sorriso.
Já pensei procurá-los noutras paragens, aliás, penso frequentemente em procurá-los noutras paragens mas por aí me fico. Nessa como em tantas outras coisas sinto-me em suspenso. Numa pausa angustiante, num cenário imóvel e onde a agitação e mudança ficam de fora.
Na origem seriamos seres nómadas. A mudança era constante, os cenários contrastantes e o objectivo da procura fazia com que se perdesse, sem dificuldade, a sensação de estagnação. Com o tempo fomos lançando âncoras, parando, perdendo a necessidade de mudar.
Sedentários estamos hoje, sedentários a níveis sufocantes. Esquecemos a necessidade de procurar, a alegria de encontrar e desvalorizamos cada um desses momentos.
Hoje, quando mudamos ou é para fugir ou é porque a isso somos obrigados. O sabor da mudança perde-se no amargo da cobardia de não enfrentar, de não seguir pelo caminho que realmente traria o Sol, a cor e o sorriso.

Tenho saudades de procurar e de encontrar sem ter medo de perder, sem ter que fugir... Faz-me falta.

A minha pilinha é maior que a tua

Não! Eu prometi a mim mesmo que não iria comentar o jogo de ontem entre benfas e Sporting... e não vou. Digo apenas que estou contente. E transpiro Sporting por cada poro do meu corpo. Mas sobre este tema mais não digo. Cada um que faça as suas análises. Eu não vou fazer... nem pensar... Não! Já disse!
Mas reforço o meu orgulho em ser do Sporting. Para além do meu orgulho em ser justo, imparcial e sério mesmo quando a "clubíte" me atinge forte.

Poderia comentar... mas não vou fazer análises sérias a jogos de futebol. Não quando a maior parte das pessoas estão hoje a fumar o seu cigarrinho pós-orgasmo e quando preferem comentar a coisa ao estilo "a minha pilinha é maior que a tua". Pois bem... eu estou-me nas tintas para o tamanho das pilinhas do pessoal, o importante é o que se faz com ela e normalmente a questão dos tamanhos surge atrelada a algumas inseguranças de performance. E não... não vou comentar.

Outra área onde a "questão da pilinha" é regularmente levantada (belíssima metáfora e construção frásica), é na política. Outra área onde, assim como no futebol, uma higienização era bem vinda. O problema é que os produtos eficazes para a higienização destas situações devem ser considerados armas de destruição massiva em Portugal isto porque, creio eu, iriam eliminar muitos milhares de portugueses que levam a vida atrelados nos esquemas e negociatas feitas às escondidas enquanto às claras se discutem, alto e a bom som, as dimensões das pilinhas de cada um.
Para ajudar à festa, aqueles que na política, como no futebol, poderiam iluminar todos os que se mantêm na penumbra, os comentadores e profissionais da informação, confundem sentido de imparcialidade e abstenção de expressão da opinião própria com não ser objectivo na análise dos factos e não procurar o "sumo" das histórias.
Conclusão, preferem analisar o tamanho de pilinhas alheias a analisar o que realmente é importante.

E assim seguimos nós... na eterna discussão "a minha pilinha é maior que a tua".


Ponto de situação

Os Estados Unidos explodem e encontram nova razão para o pânico generalizado, o líder da Coreia do Norte, Kim Jong-Un, continua a brincar às guerras mas passa para segundo plano, Portugal continua a brincar aos "governos incompetentes, povos frouxos e presidentes em estado vegetativo", os líderes europeus continuam a tentar enterrar, ainda mais, a Europa no monte de merda em que a enfiaram e o sol brilha.
O problema é muito esse, o sol brilha. E quando isso acontece o povo tuga corre para as esplanadas, para as praias e, para não variar, para os centros comerciais e esquece todos os problemas que ameaçam a sua existência.
Já imagino o belo do chefe de família, de barriguinha avançada e chinelo no pé a preparar o fim-de-semana...

- Dizem que amanhã continua o bom tempo...
- Pois é... podiamos sair com os miúdos. Estão fartos de estar em casa a jogar na consola e eu também já estou fartinha de estar aqui fechada.
- Podemos...

Nisto as criancinhas irritantes saltitam de alegria dando ideias para o desejado passeio de fim-de-semana.

- Podíamos ir à paria! Fonte da Telha?!
- Não! Gosto mais da Costa!
- Fonte da Telha!
- Oh... nunca me fazem a vontade... também podíamos ir ao Jardim Zoológico!
- Filha... o Zoo é caríssimo... e já fomos lá quando tinhas 2 anos. Já conheces.
- Oh pai... mas não me lembro! Já foi há 5 anos!
-Bom... para acabar com as discussões eu decido.

Os filhos amuam mas mantêm o ar curioso esperando a decisão do pai.

- Preciso de ir à Norauto tratar do carro. Entretanto vocês podem ir com a vossa mãe ao Jumbo e passear no Centro Comercial e eu vou lá ter para comermos no MacDonalds.
- Boa! - gritam em uníssono - Também podemos ir ao cinema?!
- Filho, filho... o pai dá-te uma mão e tu queres logo o braço todo. Não há dinheiro para esses luxos. Ainda por cima o Benfica joga em casa e quero ir ao estádio.

E assim se aproveita o sol neste jardim à beira-mar plantado.
Mas se este nosso povo tem hábitos curiosos, também os nossos governantes optam por comportamentos pouco comuns. Veja-se o presidente da República (Nota: o uso da letra minúscula na palavra presidente não foi um lapso.). Está morto faz tempo. Bom, pelo menos tudo faz para que assim pareça. Se bem que agora anda a passear a carcaça pela América Latina com um conjunto alargado de outras carcaças que se dizem empresários.
Mas no geral, faz-se de morto. Qual truque do Bobby, que prontamente se deita de patas para o ar quando o dono ordena "Faz de morto!", o pR assume o papel de defunto assim que pisa território nacional.
No entanto este comportamento nada tem de original. Já a Coreia do Norte é liderada por um "Presidente Eterno da República" de seu nome Kim Il-sung que só não está a fazer de tijolo porque os humildes súbditos optaram por embalsamar a peça e mantê-lo num palácio. Este senhor, fundador do país, conseguiu garantir a presidência mesmo depois de se tornar alimento para as minhocas (Bom... como já referi não se transformou propriamente em alimento para minhocas porque está conservado com umas boas camadas de verniz).
Será que o nosso pR está a tentar a mesma estratégia?! Se assim for que ninguém se lembre de conservar o corpo do senhor para a eternidade... antes a bela da cabeça de javali pendurada na parede do palácio de belém (com o devido respeito para com os javalis).

Recomeçar

"Durante quase seis anos qual pequeno barco à vela navegou, muitas vezes à deriva, ao sabor dos ventos da inspiração. Mais do que alterar o oceano, agitou-se nas suas ondas sem deixar marcas.
Recolhe ao porto seguro, guardando em si a voz que agora se cala."

Post de 13/03/2013 http://ricabalula.blogspot.com

Depois "arrumar" na doca seca o meu pequeno barco, depois de arquivar nos confins da memória quase trezentas publicações dos últimos anos (sim, eu sei... não foi muito, mas experiementem ser como eu sou!) e depois de me preparar durante um mês para recomeçar, aqui estou eu num novo cantinho, procurando novas ideias e esperando decorar este espaço com cores mais alegres do que aquelas com que pintalguei o meu barco.

Um simples gota de água... no oceano da blogosfera, pouca ou nenhuma diferença fará. Mas talvez vendo por outro prisma, uma simples gota de água pode fazer transbordar o copo que demasiado cheio urge esvaziar. Por fim, e porque não, uma simples gota de água que se adiciona a um óptimo James Martin's de 30 anos e que o faz "abrir" revelando todos os paladares de tão dourado néctar faz certamente a diferença.

Tudo isto poderá ser esta pequena gota de água. Talvez o seja mais para mim do que para qualquer outra pessoa, no meu velho barco também viajava só eu, mas durante a viagem recolheu no abrigo do seu frágil casco alguns viajantes que enriqueceram a minha viagem.
Como antes, não escrevo para ninguém, escrevo para mim. Não escrevo por ninguém, escrevo por mim. (Permitam-me este pequeno egoísmo) Não sou escritor, sou um vomitador de palavras. (Poupem-se a grafismos)
No entanto, secretamente, todos nós temos a ambição de escrever para alguém ou por alguém, de ter o dom da escrita e influênciar milhares. Secretamente todos nós desejamos que algures no oceano, algures por entre o sem número de viajantes que se possam cruzar com a nossa gota de água surja alguém para quem essa gota faça diferença... mas esse desejo secreto, que no meu caso não será assim tão intenso, não mudará o facto desta gota ser minha e refletir sempre a minha imagem.

Este espaço é livre, público e aberto a todos os que queiram participar como leitores e/ou comentadores. Sejam bem vindos.



Experiência social

Já abordei este tema antes mas está cada vez mais presente na minha cabeça.
Desliguem-se os canais de comunicação, escondam-se os sinais de vida, apaguem-se as luzes que, ainda que de forma ténue, nos dão alguma visibilidade. O que será que acontece?  Quem procurará sinais de nós na escuridão?

Há palavras...

...que chegam no momento certo para nos libertar.

Obrigado.

Viagem


 A banda sonora perfeita para partir.
A viagem da vida define-se por detalhes, palavras certas no momento errado, palavras erradas no momento certo, músicas que se tornam bandas sonoras, decisões certas e erradas ou mesmo confundir uma planta comestível com uma planta venenosa.
Alturas há em que temos de arriscar, partir para longe ou apenas dar um passo atrás, desaparecer na esperança de renascer, ir embora em busca de nos encontrarmos a nós próprios ou de simplesmente seguir a esperança de que o desconhecido seja diferente do conhecido.

De repente as luzes podem  apagar-se. De repente parte do que consideramos adquirido pode desaparecer. Mas será sempre uma viagem de descoberta, de encontros e desencontros e ganhando ou perdendo teremos sempre que a fazer.

De Rouille et d'Os

Um filme daqueles que eu gosto e que não era de todo aconselhável que visse agora mas o certo é que vi.
Como tantas coisas boas da vida surge por acaso, num encontro inesperado, numa descrição que nos prende ou num olhar que se cruza. Revela-se, profundo e cru, doloroso e dramático mas sempre deixando a tranquila sensação do desabafo.

Desperta a curiosidade teria de a satisfazer de alguma forma. Tratando-se de um filme que se encontra em exibição nas salas nacionais a forma mais simples de o descobrir seria mergulhando na penumbra de um cinema. Seria um bom filme para saborear numa sala vazia das matinés do antigo Quarteto, mas à falta de oportunidade, de companhia para partilhar a tela e até à falta do antigo Quarteto a opção pirataria não parece assim tão negativa. Feito o download no dia anterior com legendas em português e chovendo lá fora, instala-se o silêncio cá dentro, estou preparado para o que der e vier estando assim reunidas as condições para avançar. Vamos lá.

Sem preconceito por ser um filme francês enrolo-me na manta e assisto ao desenrolar de uma história onde a violência, o drama e o sexo se combinam com uma simplicidade deliciosa. O amor é condimento mas não é uma história de amor daquelas que estamos habituados a ver. Como na vida o amor é relegado para plano secundário na maior parte do tempo. E surge mais implícito do que explícito...

É bem verdade que esperava um abalo mais violento na minha (ins)estabilidade emocional, para os meus padrões acaba por não atingir o nível que a espaços promete. Eu teria levado o sofrimento a outros patamares, mas isso sou eu que acredito que, para o bem e para o mal, estamos tão mais vivos quanto mais intensamente sentirmos.


Silêncio e Abraço

No silêncio nem sempre se esconde a indiferença ou o desprezo.
Não poucas vezes é sinal de respeito e homenagem. Não interessa falar para dizer o mesmo que todos, não interessa falar se o nosso falar pouco ou nada alivia.
O silêncio hoje foi de respeito, foi de deixar espaço ao vazio que quem realmente importa nos deixa quando parte.

Um abraço amplificado pelo silêncio pode transmitir mais do que qualquer palavra ou outro gesto.
É esse abraço no silêncio que deixo a quem hoje homenageou quem partiu cedo demais.

Importante é...

Não desistir de nós próprios mesmo quando os outros desistem.

Guilty Pleasure ou orientação de vida?

Fechar capítulos, arrumar livros

Numa semana de fecho de vários capítulos e histórias dediquei-me igualmente a terminar a leitura que tinha pendente sobre a minha mesinha de cabeceira. O Prisioneiro do Céu, de Carlos Ruiz Záfon, é um romance que se entrelaça com anteriores romances de Záfon e nos faz puxar pela memória para recordar episódios do Jogo do Anjo e da Sombra do Vento.
Na mesma escrita simples e enredo misterioso consome-se rapidamente revelando muitos factos e pormenores que completam anteriores histórias. No entanto, ao fechar o livro percebemos que existem pontas soltas que podem servir de semente a novo romance. Ao contrário de outros capítulos, este promete novos desenvolvimentos.

Espero então por confirmação ou não desta minha suspeita. Não que goste de ficar na dúvida mas ao menos, a haver dúvidas, que sejam em eventuais sequelas de livros que nos capítulos que se terminam da vida real as coisas são bem mais claras.

Causa da crise

As grandes fortunas surgem e mantêm-se porque cada unidade de riqueza é tratada com a atenção devida, reduz-se o desperdício e aumentam-se os fluxos de crescimento, a necessidade de atenção constante é assumida como única forma de garantir o sucesso. Assim se explica porque o dinheiro chama o dinheiro, é apenas pelo facto de, efectivamente, quem tem riqueza cultivar o culto do material, da conservação e multiplicação dos valores materiais.

O problema surge quando se percebe que efectivamente a riqueza não traz felicidade. Quando se percebe que a acumulação de bens materiais num escasso número de pessoas e famílias atira uma enorme maioria de outros seres para limites de sobrevivência difíceis de suportar. Quando em nome do pseudo-sucesso pessoal e profissional se constroí um império de desgraça e infelicidade. Um castelo em cima de escombros, com vista para uma floresta queimada e com horizonte tapado pelas brumas da morte e do desespero não é um castelo. Mas na generalidade, as pessoas vivem com a ambição de possuir um castelo assim.

Difícil será que algum dia o geral das pessoas perceba que o importante não é conseguir riqueza e aumentar a colecção de bens materiais. Isso é só uma consequência, ou um acréscimo a tudo o que podemos ter se conseguirmos alimentar a verdadeira fortuna que temos ao nosso alcance - as pessoas.
Cuidar do próximo como sendo a maior riqueza que temos permite multiplicar a felicidade, alimentar o dinamismo da sociedade e, em último caso, fomentar a economia. O aumento da riqueza material poderá não ser exponêncial mas por certo será mais equilibrado e sustentado.
Se conseguimos perseguir objectivos tão concretos e vazios de sentido como comprar uma roupa nova ou um novo carro porque achamos tão difícil cuidar de um amigo ou mesmo de um desconhecido que num determinado momento precisa de ajuda?

O mesmo se passa com patrões, chefias, funcionários, governo, políticos, etc. Entende-se ou não que os patrões só serão patrões enquanto existirem clientes em condições de pagar os seus produtos? Entende-se ou não que os chefes só serão chefes enquanto tiverem funcionários para chefiar? Entende-se ou não que os funcionários apenas serão funcionários enquanto signifiquem uma mais valia para a estrutura?
Entende-se ou não que cada um de nós só será feliz se cultivar em seu redor essa mesma felicidade?

A vida de cada um de nós perdeu o sentido algures no momento em que a abstracção tomou conta das nossas opções. Em que fazemos o possível e o impossível para poupar um euro mas não somos incapazes de sorrir à vizinha da frente quando talvez isso bastasse para melhorar o seu dia.
Caminhamos para o fim, caminhamos para viver num formato de mega galinheiro de gaiolas, com espaços individuais, um propósito único, produzir mais riqueza, sem interacções com outros iguais e com a ilusão de vida que não será mais do que um processo para alimentar não sei bem quem, não sei bem o quê.

Nos dias de hoje a informação é imensa, chega-nos de todas as formas possíveis e imaginárias. Fast-Information, consumir e deitar fora, muita dela não chega sequer a ser assimilada. É preciso chocar cada vez mais para poder alcançar a mente de uns poucos, banalizam-se as imagens de choque, de países distantes que provocam revolta pelo mundo fora, com crianças feridas de morte, pais em desespero, jovens afogados em raiva. Mas quantos de nós olham para a realidade? Que fazemos para contribuir para um mundo melhor? Fazemos algo mais do que a simples partilha numa qualquer rede social da foto da criança morta ao colo do seu pai? E no instante seguinte? Publicamos um vídeo cheio de piada que relega para segundo plano a foto da criança e as lágrimas do pai...
Não se trata de não ganhar dinheiro, de não ter as nossas coisas. Não se trata de largar tudo e ser voluntário num qualquer campo de refugiados a batalhar contra as atrocidades que se cometem mundo fora. Não se trata de dar voz a todas as desgraças e notícias chocantes que nos chegam.
Tudo se podia resolver com simplesmente conseguir dar atenção ao que está ao nosso alcance. Ao nosso lado, entre os nossos amigos e conhecidos, entre os amigos e conhecidos dos nossos próprios amigos e conhecidos, a dois ou três passos de nós existem pessoas que precisam de nós. Esssas pessoas não partilham as suas tristezas. Não anunciam com fotos chocantes as suas desgraças. Também perdem filhos. Também perdem empregos, casas e bens. Também lhes bombardeiam a existência e destroem os seus sonhos.
Corremos o risco de começar a assistir ao desmoronar de famílias e pessoas. Se nada fizermos, um dia, talvez nos pesem na consciência as consequências daquilo que quisemos ignorar hoje. Estamos numa época violenta, em que pessoas sem escrúpulos se movem impunemente pelas esferas do poder e nos espoliam de bens, de vida e de sonhos. A única forma de sobreviver é estar atento, a nós e aos outros.

Qual foi a última vez que perguntei aquele amigo ou amiga que perdeu o emprego se está bem? Se precisa de alguma coisa? Qual foi a última vez que passei uma vista de olhos nas coisas que já não uso e as distribuí por familiares e amigos que delas precisam? Quando foi a última vez que fui tomar café ou almoçar com aquele amigo, amiga ou familiar que sei que não está a passar muito bem?
E qual foi a última vez que fui sair com amigos que estão bem e nos divertimos imenso? E durante esse tempo quantas vezes pensei nas tristezas, nas lágrimas de outros que naquele preciso momento também gostariam de ter condições de estar lá, a divertir-se sem ter que pensar nos imensos problemas que tem?

Não podemos viver constantemente à procura de tristezas. Não podemos resolver todos os males do mundo mas a causa desta crise é só uma. A nossa indiferença.