A vida num momento

Procurou refugiar-se por uns dias no seu recanto de eleição.
A decisão tomada em cima da hora apenas lhe permitiu atafulhar um pequeno saco de viagem com roupas escolhidas ao acaso numa lógica matemática que não tinha a certeza de estar correcta. Calculou que ficaria apenas três dias, no máximo cinco, fora e a multiplicação permitiu-lhe seleccionar rapidamente roupa interior, t-shirts, alguns calções de banho e um par de calças. Já em viagem percebeu que talvez a Primavera instável o surpreendesse com dias menos agradáveis o que poria em causa a lógica primária utilizada para preparar a roupa. Relegou para segundo plano as preocupações que o assistiam, desligou o telemóvel e seguiu em velocidade cruzeiro rumo a sul.

Sem alojamento reservado, com destino tão vago quanto é uma cidade à beira-mar apinhada de alojamentos variados, a sua mente esvaziava-se por completo e a viagem decorria com a monotonia habitual das viagens solitárias. Os olhos semi-cerrados, num estado catatónico acelerava a velocidades censuradas pelo código da estrada absolutamente concentrado no nada. A fuga prossegiu sem interrupções ou arrependimentos.

Após um par de horas alcançava o destino, localidade amada por si que representava um sonho e um local de refúgio a que recorria frequentemente. O sol quase beijava o mar salgado na linha de horizonte, sentia o fervilhar das águas, que agitadas se manchavam com a cor cálida do astro-rei. Abriu os vidros e sentiu o aroma familiar, o doce aroma que normalmente o fazia recuperar miraculosamente as energias perdidas. Desta feita a sensação de renascimento pouco se fez sentir. Percebeu naquele momento que era grave. Afundou-se por demasiado tempo sem ter reacção, estava agora mais em baixo do que alguma vez estivera e nem mesmo a terapia habitual lhe permitiria recuperar rapidamente.

Antes de procurar um alojamento atravessou a cidade e dirigiu-se às falésias. Aí poderia testar em definitivo o poder regenerador daquele local. Chegou e o sol parcialmente oculto pela ondulação desenhava um ambiente próprio para a reflexão. Propositadamente ou não o cenário estava criado. Aproximou-se do precipício com cuidado e sentou-se numa pequena pedra de equilíbrio aparentemente instável. Assim ficou, olhando o horizonte. Em seu redor planavam gaivotas recolhendo a terra e adivinhando tempestade.
A banda sonora era composta pelo som da ondulação que explodia em espuma no seu eterno confronto com a rocha e ecoava na falésia, pelo esporádico pipilar das gaivotas e pela brisa, normalmente forte naquele local, que assobiava na vegetação e nas perfurações esculpidas pelo mar.

Procurava respostas para dúvidas que não tinha a certeza de ter. Procurava soluções para problemas que sabia que não deveria ter. Encostou a testa aos joelhos, aninhou-se numa posição de pranto e alimentou um mar que é certo e sabido sempre foi alimentado pelas lágrimas dos que nele procuram consolo.
O céu coloriu-se daquele azul petróleo, azul quase noite, com a luminosidade suficiente para que pudesse regressar em segurança ao carro. Sentiu-se mais leve, mais aliviado e ergueu-se para seguir o trilho de volta.

No primeiro passo a pedra que lhe serviu de apoio cedeu e a perna de apoio fugiu-lhe descontroladamente. Fugiu-lhe como lhe fugiu a vida, como ele próprio fugiu da vida. Caiu desamparado sobre a terra alaranjada e dura. A pancada provocou-lhe uma dor aguda que ignorou de imediato ao sentir-se escorregar pela falésia. Esticou a mão agarrando-se à pedra que agora se soltava e o deixava sem apoio, sem apoio como conhecidos e amigos o deixaram. Tentou fincar os dedos na terra que de tão assente não lhe permitia abrir fendas onde se segurar. Desesperado sentia-se puxado num movimento que não conseguia impedir.
No curto tempo que durou o vôo resumiu a sua vida aquele momento. Percebeu que tinha sido um enorme acidente, que todos os apoios que tivera cederam ao seu peso e que o fim, inevitável e certo, traria a mais elementar justiça à sua existência. Por fim uma pancada seca ecou da rocha banhada pela espuma salgada, de um corpo que já não resistia, habitado por uma alma que já não lutava.

Pelas ruas de Lisboa


Faz-me falta

Na bipolaridade dos dias o sorriso alterna com a depressão com uma velocidade vertiginosa. A banhos de vitamina D seguem-se banhos de cinza que escurecem as horas e desalegram a felicidade.
A escala de cinzas também tem o seu encanto mas tem o seu tempo, tem o seus momentos e depois devem dar lugar a outras cores a outros sorrisos.

Faz-me falta o Sol. Faz-me falta a cor. Faz-me falta o sorriso.
Já pensei procurá-los noutras paragens, aliás, penso frequentemente em procurá-los noutras paragens mas por aí me fico. Nessa como em tantas outras coisas sinto-me em suspenso. Numa pausa angustiante, num cenário imóvel e onde a agitação e mudança ficam de fora.
Na origem seriamos seres nómadas. A mudança era constante, os cenários contrastantes e o objectivo da procura fazia com que se perdesse, sem dificuldade, a sensação de estagnação. Com o tempo fomos lançando âncoras, parando, perdendo a necessidade de mudar.
Sedentários estamos hoje, sedentários a níveis sufocantes. Esquecemos a necessidade de procurar, a alegria de encontrar e desvalorizamos cada um desses momentos.
Hoje, quando mudamos ou é para fugir ou é porque a isso somos obrigados. O sabor da mudança perde-se no amargo da cobardia de não enfrentar, de não seguir pelo caminho que realmente traria o Sol, a cor e o sorriso.

Tenho saudades de procurar e de encontrar sem ter medo de perder, sem ter que fugir... Faz-me falta.

A minha pilinha é maior que a tua

Não! Eu prometi a mim mesmo que não iria comentar o jogo de ontem entre benfas e Sporting... e não vou. Digo apenas que estou contente. E transpiro Sporting por cada poro do meu corpo. Mas sobre este tema mais não digo. Cada um que faça as suas análises. Eu não vou fazer... nem pensar... Não! Já disse!
Mas reforço o meu orgulho em ser do Sporting. Para além do meu orgulho em ser justo, imparcial e sério mesmo quando a "clubíte" me atinge forte.

Poderia comentar... mas não vou fazer análises sérias a jogos de futebol. Não quando a maior parte das pessoas estão hoje a fumar o seu cigarrinho pós-orgasmo e quando preferem comentar a coisa ao estilo "a minha pilinha é maior que a tua". Pois bem... eu estou-me nas tintas para o tamanho das pilinhas do pessoal, o importante é o que se faz com ela e normalmente a questão dos tamanhos surge atrelada a algumas inseguranças de performance. E não... não vou comentar.

Outra área onde a "questão da pilinha" é regularmente levantada (belíssima metáfora e construção frásica), é na política. Outra área onde, assim como no futebol, uma higienização era bem vinda. O problema é que os produtos eficazes para a higienização destas situações devem ser considerados armas de destruição massiva em Portugal isto porque, creio eu, iriam eliminar muitos milhares de portugueses que levam a vida atrelados nos esquemas e negociatas feitas às escondidas enquanto às claras se discutem, alto e a bom som, as dimensões das pilinhas de cada um.
Para ajudar à festa, aqueles que na política, como no futebol, poderiam iluminar todos os que se mantêm na penumbra, os comentadores e profissionais da informação, confundem sentido de imparcialidade e abstenção de expressão da opinião própria com não ser objectivo na análise dos factos e não procurar o "sumo" das histórias.
Conclusão, preferem analisar o tamanho de pilinhas alheias a analisar o que realmente é importante.

E assim seguimos nós... na eterna discussão "a minha pilinha é maior que a tua".


Ponto de situação

Os Estados Unidos explodem e encontram nova razão para o pânico generalizado, o líder da Coreia do Norte, Kim Jong-Un, continua a brincar às guerras mas passa para segundo plano, Portugal continua a brincar aos "governos incompetentes, povos frouxos e presidentes em estado vegetativo", os líderes europeus continuam a tentar enterrar, ainda mais, a Europa no monte de merda em que a enfiaram e o sol brilha.
O problema é muito esse, o sol brilha. E quando isso acontece o povo tuga corre para as esplanadas, para as praias e, para não variar, para os centros comerciais e esquece todos os problemas que ameaçam a sua existência.
Já imagino o belo do chefe de família, de barriguinha avançada e chinelo no pé a preparar o fim-de-semana...

- Dizem que amanhã continua o bom tempo...
- Pois é... podiamos sair com os miúdos. Estão fartos de estar em casa a jogar na consola e eu também já estou fartinha de estar aqui fechada.
- Podemos...

Nisto as criancinhas irritantes saltitam de alegria dando ideias para o desejado passeio de fim-de-semana.

- Podíamos ir à paria! Fonte da Telha?!
- Não! Gosto mais da Costa!
- Fonte da Telha!
- Oh... nunca me fazem a vontade... também podíamos ir ao Jardim Zoológico!
- Filha... o Zoo é caríssimo... e já fomos lá quando tinhas 2 anos. Já conheces.
- Oh pai... mas não me lembro! Já foi há 5 anos!
-Bom... para acabar com as discussões eu decido.

Os filhos amuam mas mantêm o ar curioso esperando a decisão do pai.

- Preciso de ir à Norauto tratar do carro. Entretanto vocês podem ir com a vossa mãe ao Jumbo e passear no Centro Comercial e eu vou lá ter para comermos no MacDonalds.
- Boa! - gritam em uníssono - Também podemos ir ao cinema?!
- Filho, filho... o pai dá-te uma mão e tu queres logo o braço todo. Não há dinheiro para esses luxos. Ainda por cima o Benfica joga em casa e quero ir ao estádio.

E assim se aproveita o sol neste jardim à beira-mar plantado.
Mas se este nosso povo tem hábitos curiosos, também os nossos governantes optam por comportamentos pouco comuns. Veja-se o presidente da República (Nota: o uso da letra minúscula na palavra presidente não foi um lapso.). Está morto faz tempo. Bom, pelo menos tudo faz para que assim pareça. Se bem que agora anda a passear a carcaça pela América Latina com um conjunto alargado de outras carcaças que se dizem empresários.
Mas no geral, faz-se de morto. Qual truque do Bobby, que prontamente se deita de patas para o ar quando o dono ordena "Faz de morto!", o pR assume o papel de defunto assim que pisa território nacional.
No entanto este comportamento nada tem de original. Já a Coreia do Norte é liderada por um "Presidente Eterno da República" de seu nome Kim Il-sung que só não está a fazer de tijolo porque os humildes súbditos optaram por embalsamar a peça e mantê-lo num palácio. Este senhor, fundador do país, conseguiu garantir a presidência mesmo depois de se tornar alimento para as minhocas (Bom... como já referi não se transformou propriamente em alimento para minhocas porque está conservado com umas boas camadas de verniz).
Será que o nosso pR está a tentar a mesma estratégia?! Se assim for que ninguém se lembre de conservar o corpo do senhor para a eternidade... antes a bela da cabeça de javali pendurada na parede do palácio de belém (com o devido respeito para com os javalis).

Recomeçar

"Durante quase seis anos qual pequeno barco à vela navegou, muitas vezes à deriva, ao sabor dos ventos da inspiração. Mais do que alterar o oceano, agitou-se nas suas ondas sem deixar marcas.
Recolhe ao porto seguro, guardando em si a voz que agora se cala."

Post de 13/03/2013 http://ricabalula.blogspot.com

Depois "arrumar" na doca seca o meu pequeno barco, depois de arquivar nos confins da memória quase trezentas publicações dos últimos anos (sim, eu sei... não foi muito, mas experiementem ser como eu sou!) e depois de me preparar durante um mês para recomeçar, aqui estou eu num novo cantinho, procurando novas ideias e esperando decorar este espaço com cores mais alegres do que aquelas com que pintalguei o meu barco.

Um simples gota de água... no oceano da blogosfera, pouca ou nenhuma diferença fará. Mas talvez vendo por outro prisma, uma simples gota de água pode fazer transbordar o copo que demasiado cheio urge esvaziar. Por fim, e porque não, uma simples gota de água que se adiciona a um óptimo James Martin's de 30 anos e que o faz "abrir" revelando todos os paladares de tão dourado néctar faz certamente a diferença.

Tudo isto poderá ser esta pequena gota de água. Talvez o seja mais para mim do que para qualquer outra pessoa, no meu velho barco também viajava só eu, mas durante a viagem recolheu no abrigo do seu frágil casco alguns viajantes que enriqueceram a minha viagem.
Como antes, não escrevo para ninguém, escrevo para mim. Não escrevo por ninguém, escrevo por mim. (Permitam-me este pequeno egoísmo) Não sou escritor, sou um vomitador de palavras. (Poupem-se a grafismos)
No entanto, secretamente, todos nós temos a ambição de escrever para alguém ou por alguém, de ter o dom da escrita e influênciar milhares. Secretamente todos nós desejamos que algures no oceano, algures por entre o sem número de viajantes que se possam cruzar com a nossa gota de água surja alguém para quem essa gota faça diferença... mas esse desejo secreto, que no meu caso não será assim tão intenso, não mudará o facto desta gota ser minha e refletir sempre a minha imagem.

Este espaço é livre, público e aberto a todos os que queiram participar como leitores e/ou comentadores. Sejam bem vindos.



Experiência social

Já abordei este tema antes mas está cada vez mais presente na minha cabeça.
Desliguem-se os canais de comunicação, escondam-se os sinais de vida, apaguem-se as luzes que, ainda que de forma ténue, nos dão alguma visibilidade. O que será que acontece?  Quem procurará sinais de nós na escuridão?