Causa da crise

As grandes fortunas surgem e mantêm-se porque cada unidade de riqueza é tratada com a atenção devida, reduz-se o desperdício e aumentam-se os fluxos de crescimento, a necessidade de atenção constante é assumida como única forma de garantir o sucesso. Assim se explica porque o dinheiro chama o dinheiro, é apenas pelo facto de, efectivamente, quem tem riqueza cultivar o culto do material, da conservação e multiplicação dos valores materiais.

O problema surge quando se percebe que efectivamente a riqueza não traz felicidade. Quando se percebe que a acumulação de bens materiais num escasso número de pessoas e famílias atira uma enorme maioria de outros seres para limites de sobrevivência difíceis de suportar. Quando em nome do pseudo-sucesso pessoal e profissional se constroí um império de desgraça e infelicidade. Um castelo em cima de escombros, com vista para uma floresta queimada e com horizonte tapado pelas brumas da morte e do desespero não é um castelo. Mas na generalidade, as pessoas vivem com a ambição de possuir um castelo assim.

Difícil será que algum dia o geral das pessoas perceba que o importante não é conseguir riqueza e aumentar a colecção de bens materiais. Isso é só uma consequência, ou um acréscimo a tudo o que podemos ter se conseguirmos alimentar a verdadeira fortuna que temos ao nosso alcance - as pessoas.
Cuidar do próximo como sendo a maior riqueza que temos permite multiplicar a felicidade, alimentar o dinamismo da sociedade e, em último caso, fomentar a economia. O aumento da riqueza material poderá não ser exponêncial mas por certo será mais equilibrado e sustentado.
Se conseguimos perseguir objectivos tão concretos e vazios de sentido como comprar uma roupa nova ou um novo carro porque achamos tão difícil cuidar de um amigo ou mesmo de um desconhecido que num determinado momento precisa de ajuda?

O mesmo se passa com patrões, chefias, funcionários, governo, políticos, etc. Entende-se ou não que os patrões só serão patrões enquanto existirem clientes em condições de pagar os seus produtos? Entende-se ou não que os chefes só serão chefes enquanto tiverem funcionários para chefiar? Entende-se ou não que os funcionários apenas serão funcionários enquanto signifiquem uma mais valia para a estrutura?
Entende-se ou não que cada um de nós só será feliz se cultivar em seu redor essa mesma felicidade?

A vida de cada um de nós perdeu o sentido algures no momento em que a abstracção tomou conta das nossas opções. Em que fazemos o possível e o impossível para poupar um euro mas não somos incapazes de sorrir à vizinha da frente quando talvez isso bastasse para melhorar o seu dia.
Caminhamos para o fim, caminhamos para viver num formato de mega galinheiro de gaiolas, com espaços individuais, um propósito único, produzir mais riqueza, sem interacções com outros iguais e com a ilusão de vida que não será mais do que um processo para alimentar não sei bem quem, não sei bem o quê.

Nos dias de hoje a informação é imensa, chega-nos de todas as formas possíveis e imaginárias. Fast-Information, consumir e deitar fora, muita dela não chega sequer a ser assimilada. É preciso chocar cada vez mais para poder alcançar a mente de uns poucos, banalizam-se as imagens de choque, de países distantes que provocam revolta pelo mundo fora, com crianças feridas de morte, pais em desespero, jovens afogados em raiva. Mas quantos de nós olham para a realidade? Que fazemos para contribuir para um mundo melhor? Fazemos algo mais do que a simples partilha numa qualquer rede social da foto da criança morta ao colo do seu pai? E no instante seguinte? Publicamos um vídeo cheio de piada que relega para segundo plano a foto da criança e as lágrimas do pai...
Não se trata de não ganhar dinheiro, de não ter as nossas coisas. Não se trata de largar tudo e ser voluntário num qualquer campo de refugiados a batalhar contra as atrocidades que se cometem mundo fora. Não se trata de dar voz a todas as desgraças e notícias chocantes que nos chegam.
Tudo se podia resolver com simplesmente conseguir dar atenção ao que está ao nosso alcance. Ao nosso lado, entre os nossos amigos e conhecidos, entre os amigos e conhecidos dos nossos próprios amigos e conhecidos, a dois ou três passos de nós existem pessoas que precisam de nós. Esssas pessoas não partilham as suas tristezas. Não anunciam com fotos chocantes as suas desgraças. Também perdem filhos. Também perdem empregos, casas e bens. Também lhes bombardeiam a existência e destroem os seus sonhos.
Corremos o risco de começar a assistir ao desmoronar de famílias e pessoas. Se nada fizermos, um dia, talvez nos pesem na consciência as consequências daquilo que quisemos ignorar hoje. Estamos numa época violenta, em que pessoas sem escrúpulos se movem impunemente pelas esferas do poder e nos espoliam de bens, de vida e de sonhos. A única forma de sobreviver é estar atento, a nós e aos outros.

Qual foi a última vez que perguntei aquele amigo ou amiga que perdeu o emprego se está bem? Se precisa de alguma coisa? Qual foi a última vez que passei uma vista de olhos nas coisas que já não uso e as distribuí por familiares e amigos que delas precisam? Quando foi a última vez que fui tomar café ou almoçar com aquele amigo, amiga ou familiar que sei que não está a passar muito bem?
E qual foi a última vez que fui sair com amigos que estão bem e nos divertimos imenso? E durante esse tempo quantas vezes pensei nas tristezas, nas lágrimas de outros que naquele preciso momento também gostariam de ter condições de estar lá, a divertir-se sem ter que pensar nos imensos problemas que tem?

Não podemos viver constantemente à procura de tristezas. Não podemos resolver todos os males do mundo mas a causa desta crise é só uma. A nossa indiferença.

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