Lágrimas de revolta

O sabor amargo da tristeza de saber que é tarde demais é sem dúvida das piores sensações que se podem ter. E o sabor espalha-se por mim numa crescente angústia por saber que é tarde demais, hoje é tarde demais e já ontem foi. E quantas mais situações destas têm de surgir para que acorde de vez e perceba que não se pode viver como se fosse certo que tenho sempre o amanhã, e o depois de amanhã e todos os dias que se seguem? Foda-se! Não tenho. Ninguém tem.

Permitam-me que utilize o vernáculo português. Não é mais do que uma homenagem a quem o utilizava com a naturalidade de quem decora o falar. Uma homenagem a quem juntava à pronúncia tripeira umas quantas palavras "requitandas" e uma boa disposição constrastante com a merda de vida que o destino lhe reservou.

P'ró carago com as conversas sobre como tudo na vida é harmonioso e construído de forma justa e equilibrada. Qual harmonia?! Qual merda... não são só palavrões que marcam a diferença. Aliás, não são mesmo os palavrões que marcam qualquer diferença. É a alegria. A ingenuidade de quem se vê forçado a "crescer" mais do que é humanamente possível, agonizando, entristecendo, sofrendo mas que mesmo assim, contra tudo o que é "harmonioso" e "equilibrado", sorri e faz sorrir.

Era impossível estar triste junto dela. De todas as memórias apenas um pormenor em comum, o humor contagiante que nos bons e maus momentos surgia. Com tiradas inoportunas que quebravam toda e qualquer resistência que se pudesse ter a uma boa gargalhada.
Mesmo com as lágrimas nos olhos, com o peso das memórias dolorosas conseguia ridicularizar a sua própria realidade e encontrar uma qualquer baboseira, numa estratégia de auto-terapia, causando aquele incómodo nos presentes de não saber se chorar ou rir.
Estou certo que será sempre sinónimo de riso. Sinónimo de infinitas partidas e ideias peregrinas que de tão inusitadas faziam a minha delícia.

Hoje já é tarde. A merda do destino não soube esperar. Não soube ser diferente.
E nós, tão merdas quanto o destino falhámos mais uma vez. Falhámos porque a porra da nossa vidinha, que espremida resulta em muito pouco, se torna mais importante que todos os gestos e esforços que deveríamos fazer para impedir que fiquem coisas por dizer. Coisas por fazer. Para impedir que a merda do destino leve a sua avante.

A vida é uma treta. A justiça e o equilíbrio ou não existem ou têm de ser vistos numa prespectiva tão macro que não interessam um caralho! De que vale ter nascido mais um chinês a testículos de distância daqui quando nos levam um amigo?! É essa a perspectiva de equilíbrio e justiça?! O destino esse... é o que se vê. Mas o pior de tudo... somos nós, as pessoas. Nós que viramos as costas aos nossos amigos. Incoscientemente, mas em muitos casos também conscientemente. Nós que dizemos amanhã ligo, quando sabemos que simplesmente não vamos ligar. Nós que não mexemos o traseiro da nossa zona de conforto para fazermos o que seja pelo próximo. Nós que procuramos a nossa felicidade e olhamos para o próximo como degraus para a atingir.

Generalizo, porque de uma forma ou de outra todos nós tempos pequenas, ou maiores, manchas no nosso perfil que encaixam neste mundo merdoso. Claro que não me revejo em todas estas características... mas se calhar estou errado. Se calhar não me distingo em muito de outros que assim que se julgam livres de toda e qualquer tristeza abandonam sem qualquer peso de consciência quem os acompanhou nos maus momentos.

Talvez não sejamos muito diferentes uns dos outros. Mas isso só reforça a minha revolta contra a crise de valores, a crise de tempo que esta merda de sociedade nos oferece. Ou seremos nós que as oferecemos à sociedade?!

Hoje... hoje é tarde demais. E amanhã? Será que ainda vamos a tempo?


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