Às 13 horas e 13 minutos do 13º dia do ano

O país, ainda ébrio pelos acontecimentos desportivos do fim-de-semana, aguarda ansiosamente por mais um sucesso de um dos seus "filhos" mais queridos.
Como diz o povo, Rei morto, Rei posto... e eis que na ressaca da despedida do "Rei de quase todos nós", procuram uns quantos, talvez mesmo a maioria, fazer crer os restantes poucos que o melhor que pode acontecer hoje é um jogador de futebol português ganhar pela segunda vez o suposto maior galhardão que se pode alcançar durante a sua fugaz carreira.

Na verdade, pelo menos na verdade da minha opinião, é que este espetáculo é exagerado e perigoso. Tão perigoso quanto um dia de Verão cheio de sol e temperaturas altas pode ser neste jardinzinho alcatroado à beira-mar, diria, abandonado e não plantado. E porquê? Simplesmente porque se invertem as prioridades.
A ideia de estarmos fartos de novidades tristes, de notícias sobre a crise, da própria da crise e portanto devemos abraçar cada uma das pequenas alegrias que surgem, mesmo que tenhamos de fazer nossas as alegrias e as dores alheias, é assustadoramente perigosa. O que muitos defendem é que não devemos olhar para os factos negativos, que não devemos desperdiçar energias com os aspectos negativos, devemos isso sim focar-nos nos aspectos positivos pois são esses que nos permitem seguir em frente.
Pois bem... o Ronaldo ganhar uma bola de ouro a mim deixa-me sem cuidados. Não que não sinta alguma pontinha de orgulho no jovem português, até porque foi "criado" no meu clube. Não que não fique contente por esse facto, mas caso hoje lhe seja entregue a muito falada bola de ouro será que amanhã poderei responder a todos os meus problemas com "Sim, sim... mas o CR é o melhor do mundo!".

Por redução ao absurdo, um cliente questiona-me sobre o atraso na execução de um projecto e, durante a semana passada eu poderia responder "Pois é verdade... estou 2 meses atrasado em relação ao que lhe tinha dito mas... o desaparecimento do Eusébio é uma grande tristeza para nós... e tão bonito que foi ver o país unido em redor das cerimónias fúnebres!".
Caso o CR ganhe o prémio poderei simplesmente responder "Grande Ronaldo hein?! Agora só falta ganhar o mundial!"
Se esta abordagem é assim tão correcta porque não fazemos o mesmo em relação aos nossos compromissos com o exterior?! Vinha a troika e os nossos ministros apenas tinham de dizer "O Eusébio é o nosso Rei!" ou "O melhor jogador do mundo é português!".
Estas serão as questões mais mediáticas mas por certo poderiamos arranjar outras como "Metade das porteiras de Paris são tugas!" ou "As vidimas em França só acontecem porque há n tugas que nelas trabalham!" ou ainda "O presidente da ComissãoEuropeira é tuga" (ou já terá sido...).

O caminho para o sucesso encontra-se analisando a situação actual, avaliando os problemas, focando-nos no que está mal não para ficarmos atolados nos problemas mas sim para encontrar soluções. E só se encontram soluções quando se conhecem os problemas. Podemos saber para onde queremos ir, mas se não soubermos onde estamos dificilmente encontraremos o caminho. Experimentem questionar o Google Maps sobre o melhor caminho para um qualquer sítio no globo sem lhe fornecer a origem... não resulta, certo?
Há pessoal que defende que devem continuar a tentar... por isso têm duas opções, ou continuam aí a clicar que nem doidos na tecla de return esperando que o Google Maps responda ou procuram entender onde estão, relativizando tanto os problemas como as alegrias, prioritizam correctamente as questões e deixam-se de elevar como se não houvesse amanhã os factos, felizes sim, mas de menor importância, que vão acontecendo.

Ainda sobre a partida de Eusébio. Tenho de ser sincero... lamento, respeito imenso as suas qualidades como desportista e como homem, respeito a sua lealdade a um clube que, como é sabido e assumido, nem sempre o tratou como merecia mas... não é da minha família e não é do meu clube.
É óbvio que se notabilizou internacionalmente a um nível que até então era impensável para um português (ainda para mais um português nascido em Moçambique) e que só 35 anos depois voltaria um compatriota a alcançar. Levou o seu nome a muitos cantos do planeta, arrastando com ele o nome do seu clube e do seu país, numa época distante da globalização e do imediatismo actuais. Certamente é de louvar e respeitar tal fenómeno, como é de louvar o fenómeno Figo, o fenómeno Mourinho e o fenómeno Ronaldo. Agora... Portugal não se pode resumir a Futebol e Fado (e a Deus). Que isto não nos faça esquecer outros nomes, outras conquistas de igual ou superior importância, que colocaram Portugal nas bocas do mundo.

Meus caros... o país está tristemente abandonado ao seu destino, ou pior ainda, abandonado às mãos de uns quantos que controlam o seu destino e os nossos passos, filtram a informação a que temos acesso e comandam os nossos destinos e as nossas acções e reacções.
Adormecer no embalo das grandes pequenas vitórias individuais que tomamos como de todos nós é apenas mascarar as nossas próprias frustações. Importante é lutar por soluções que levem o país a ter mais Eusébios, Figos, Mourinhos e Ronaldos mas não só no futebol e não só como acontecimentos pontuais. O sucesso do país passa pelo crescimento sustentado, pelo trabalho focado nos resultados mas consciente dos problemas para adoptar as soluções correctas.

Quando Portugal se despede de um ídolo como Eusébio a dor é muito superior porque se sabe que como aquele acontecem poucos por este cantinho, e acontecem pouco não tanto pelas características do próprio mas mais pela incapacidade do país de criar estruturas nas mais diferentes áreas que permitam não deixar ao acaso o surgimento de novos notáveis.

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