Este país não é para pobres

Hoje tive mais uma apresentação quinzenal como previsto no código penal que abaixo transcrevo*... como não percebo nada de leis não sei onde se enquadra o crime de "despedido numa restructuração da empresa" mas por certo deve ser grave pois segundo a lei a apresentação periódica só se aplica para crimes com pena até 6 meses.

Mas não me quero desviar do propósito deste post, descrever a situação com que me deparei durante a dita visita ao centro cívico de Carnaxide. Cheguei e estariam umas 6 pessoas (ou deverei dizer "criminosos" como eu?) à minha frente, no cenário habitual onde apenas falta o povo a apupar, lançando impropérios e objectos cortantes aos "criminosos" que se alinham carregando as suas cruzes e coroas de espinhos.
Uns minutos passados e é a vez de uma senhora, que julgo ser relativamente nova mas que está relativamente acabada, acompanhada pelo seu filho de 15 ou 16 anos. Aproxima-se da funcionária que, após uma breve troca de palavras, exclama - A Sra. está a dizer-me que está a trabalhar?!
- Não... são só uns biscates... - retorquiu baixinho a Sra.
- E tem feito busca activa de emprego?!
- Como faço isso?

- A Sra. tem de procurar emprego, enviar CV's, contactar empresas... 4 por mês! Se a chamarem ao Centro de Emprego tem de levar as provas de que o faz.
- Mas como?

- A Sra. sabe usar a internet? 
- O meu filho sabe...
- Então tem de procurar empregos e empresas e enviar CV's...A -  conversa continua por mais uns breves instantes e termina com - Procure emprego e eu vou esquecer o que me disse.Não sei se fui só eu, mas senti um misto de sentimentos estranhíssimo... estava na presença de alguém que, consciente ou inconscientemente, procura enganar o sistema (reprovável), mas também fui confrontado com a realidade da ignorância e talvez do desespero de quem não tem condições para viver. Sim, é bem verdade que desconheço a realidade daquela família, é certo que pode ser simplesmente um acto bem encenado de alguém que explora o apoio social, completamente à margem da lei, mas a realidade pode muito bem ser outra.
A falta de sensibilidade do estado social, de cada um de nós para tornar as regras claras e justas, para informar, para ajudar tal qual se ajuda a velhinha a atravessar a estrada é, em muitos dos casos, o que provoca esta ignorância.

As pessoas são diferentes à nascença, são diferentes na educação, na formação, na forma de encarar as adversidades, nem todos podem perceber uma lei, por mais simples que seja, nem todos entendem que têm de abdicar de lutar pela sobrevivência simplesmente porque assim está decretado por um estado castrador.
Por outro lado, quem já visitou um Centro de Emprego percebe que o atendimento varia de acordo com o utente, não há paciência para "pobres" de formação reduzida, não há predisposição para "ensinar", para receber e "tratar" pessoas que nem sempre são "criminosos", pessoas que sofrem com problemas que possivelmente a maior parte de nós desconhece.

Este país não é para pobres, mas é de probres, pobres de espírito, pobres de personalidade, pobres de justiça e altruísmo. 



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Artigo 198.º
Obrigação de apresentação periódica
1 - Se o crime imputado for punível com pena de prisão de máximo superior a 6 meses, o juiz pode impor ao arguido a obrigação de se apresentar a uma entidade judiciária ou a um certo órgão de polícia criminal em dias e horas preestabelecidos, tomando em conta as exigências profissionais do arguido e o local em que habita.
2 - A obrigação de apresentação periódica pode ser cumulada com qualquer outra medida de coacção, com a excepção da obrigação de permanência na habitação e da prisão preventiva.

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