Comer, Orar e Amar

Terminei o livro, agorinha, de tão fresco está este terminar que ainda sinto o aroma das últimas frases.

Não é usual ler livros de autoria feminina, fazendo um exercício de memória é o primeiro que leio, mas tratando-se de uma dádiva e recomendação de alguém especial não quis deixar de experiênciar um escorrer das palavras femininas.

Tudo o que se escreve tem um pouco de autobiográfico, dizem, nem sempre será assim, mas neste caso é totalmente assim. O livro não é mais que um diário, bom... uma colecção de momentos vividos pela autora pelo período de um ano de busca espiritual.
Itália, Índia e Bali (Inónésia) são os 3 i's que dominam este relato, dividido em 108 capítulos, 36 para cada país, com uma estrutura inspirada em questões espirituais e religiosas mas que, de forma tipicamente feminina, não é seguida de forma tão clara assim.
É aliás por aí que se torna mais interessante este livro onde se podem encontrar tantas e tão claras evidências das diferenças que nos separam, homens e mulheres, e que certamente também nos unem.

Numa abordagem tosca e, diriam muitas das mulheres, masculina, resumiria o livro na seguinte frase - Uma mulher em busca constante de um homem que lhe preste vassalagem ou pelo menos que lhe ofereça bom sexo!. - No entanto, e como prezo bastante o meu lado emocional e, quiçá feminino, julgo que o livro consegue ir um pouco mais além.

Traz-nos o espírito que todos gostariamos de ter sempre presente, o espírito que nos faz lutar e derrubar as nossas barreiras em busca do que nos fará manter a paz e tranquilidade. Traz-nos a descrição condensada de um percurso sinuoso que não se distingue da vida de qualquer um de nós.
Como qualquer mulher, existem passagens, capítulos até que roçam o limiar do compreensível, levando-nos pela mão do pensamento a labirintos insolúveis onde nos perdemos sem conseguir perceber até onde nos queriam levar inicialmente.
Um homem seria bem mais pragmático, talvez se perdesse mais em pormenores e histórias paralelas que me parecem pouco ou nada exploradas neste texto. Mas uma mulher esconde-se, procura deixar implícito fugindo de explicitar. Espera que o outro entenda, até ao mais infímo pormenor o que espera, sente ou deseja.

No fundo a coisa falha, nem sempre por incompreensão do outro mas simplesmente porque há coisas que devem ser ditas e não insinuadas. No final de contas temos todos o mesmo objectivo, ser a espaços felizes. No final de contas o que diverge é a noção de felicidade.

O que entendi do livro foi precisamente a necessidade da protagonista de encontrar o local no espaço e no tempo onde fosse realmente capaz de ser feliz, de se encontrar a si própria. Pelo meio tornou óbvia a diferença entre feminino e masculino.

Numa camada superficial, nas aparências, os homens tomam a figura da insensibilidade, dos instintos básicos, do desejo carnal distanciando-se da doçura e procura muito mais romântica e sensorial das mulheres. As mulheres transparecem delicadeza, sofrimento, sentimentos e fragilidade duma forma tão real como a vista de uma janela de vidro fosco. Na verdade é um mundo de máscaras, qual carnaval de Veneza em que cada um procura afastar-se o mais possível do outro simplesmente para alimentar a eterna guerra de sexos, a eterna incompreensão entre feminino e masculino.
Mas, pode-se julgar que a falsidade se encontra apenas na capa com que nos cobrimos, à primeira vista poderiamos mesmo pensar que apenas isso é distinto, que na essência homem e mulher sentem, vivem e procuram o mesmo. Nada me parece mais errado. Na essência a mulher é mais básica que o homem. Não básica num sentido depreciativo, apenas no sentido de ser mais simples nos seus desejos.

Neste livro entende-se, que a procura realizada pela autora, embora revistida de espiritualidade e conquistas bem pouco materiais, culmina em pequenos (ou grandes) momentos de prazer material. O caminho espiritual serve, segundo me parece, para garantir que os prazeres materiais, aqueles que realmente são o alvo do feminino, sejam disfrutados, saboreados e consumidos da forma mais prazerosa possível. Encontram-se durante o livro, homens capazes de ser felizes sem auxílio desses prazeres materiais. O masculino é, na realidade, um ser capaz de se adaptar mais facilmente que o feminino, capaz de existir com outros propósitos que não aqueles que os seus instintos básicos indiciam.

Considero inviável e extremamente aborrecida a possibilidade existir um mundo sem mulheres ou o contrário, sem homens. A conclusão a que chego é apenas que vivemos numa farsa, suportada por tradições, religiões, éticas, critérios de sociabilização, o que seja, que nos impedem de mostrar o que realmente somos e de ver o que realmente os outros são. Não é lógico este comportamento, não facilita as relações entre os seres e não nos traz felicidade. A discussão não deve ser acerca das diferenças, muito menos das diferenças que aparentamos mas devem centrar-se nas semelhanças que realmente nos unem.


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