Condenada

"Como foste capaz de matar algo tão grande, tão maior do que tu ou eu ou os dois juntos?
Como é que se consegue esfaquear consecutivamente um sentimento tão poderoso e continuar, sem hesitações, aos sons dos gritos de dor e desespero de quem se esvai numa hemorragia de sofrimento?
Como és capaz de virar costas e esquecer que um dia, num acaso, o encontraste, o alimentaste, lhe deste guarida e protecção?
Como se fere de morte o que se criou, sem lágrimas, sem arrependimento, sem esforço sequer?"

Perguntou ele ao vazio deixado por ela, ou por quem por ela se fez passar.

"Devias ser condenada. Condenada a não amar mais. Condenada a pena efectiva e perpétua de não amor. O coração gelado. Não deveria ser permitido que continuasses a amar quem quer que fosse. O risco de voltares a matar é alto demais.
Não é por mim que o digo. É por qualquer outro que em ti tropece e caia a teus pés. É pela segurança de quem te rodeia ou possa vir a rodear."

Ditou como se de um desejo sólido se tratasse.

"Desculpa... Ninguém deve ser condenado assim. Devias ser condenada a passar pelo mesmo... A encontrar um homicida que, como tu, alimentasse o teu sentimento e te prendesse a ele para depois, facada a facada, retalhasse o teu sentir sem pingo de arrependimento. Talvez te servisse para perceber que o que fizeste não se faz. Talvez abrisses os olhos e pedisses desculpa pelo que fizeste.
Não que sirva de muito... está ferido de morte... a agonia em breve terá o seu fim... Mas..."

Refletiu um pouco, a caminhar para a serinidade, e finalmente decidiu.

"Não... Pouco importa. Esquece que eu já esqueci. É isso que mereces. Que mais dá? É igual. Quem não quer não merece. Fui..."

Pouco depois apenas o leve vazio da cabeça arrumada, o espaço livre e limpo na sua cabeça, no seu coração. As palavras dele sobre ela... simplesmente nenhuma. Silêncio.

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