Coisas de miúdos (II)

Adorava a liberdade que a aldeia lhe proporcionava. Só o quintal da casa dos avós lhe abria mais oportunidades de aventura que toda a cidade onde habitava. A isso não era alheia a liberdade que os pais lhe permitiam, a aldeia era tranquila, todas as pessoas se conheciam e dentro dos muros do quintal ainda mais seguros de que nada poderia acontecer estavam.
Assim, percorria cada recanto em busca de tesouros e surpresas, enterrava baús, misturava plantas e ervas em poções mágicas que transformavam os dias monótonos em aventuras sem fim, subia para as placas e telhados dos anexos da casa dos avós até alcançar o ponto mais alto que lhe era possível de onde observava o mais belo pôr-do-sol que alguma vez veria.

Sentia-se livre ao desafiar o equilíbrio e as vertigens naquela placa que cobria a cozinha onde no inverno se fumavam os enchidos. Adjacente à cozinha encontrava uma cobertura mais frágil, em fibrocimento (quando ainda não se falava dos malefícios do mesmo) que servia de abrigo aos porcos que os avós criavam durante um ano para terem o seu final cruel em Dezembro, no dia da "matança".
Certo dia, saltitava pela placa quando, num gesto incosciente, galgou de um salto só o desnível que o separava da cobertura mais frágil.
Sentiu o telhado ceder sobre os seus pés e desapareceu numa fracção de segundo engolido por um buraco de diâmetro aparentemente inferior à sua dimensão. Por sorte ou azar, caiu de perna aberta sobre uma das traves de madeira antiga que suportavam a estrutura e ficou com as pernas pendentes sob os dois animais de dimensões já bastante razoáveis que roncavam de felicidade pelo potêncial banquete caído do céu.
Não bastando a dor dilacerante provocada pelo impacto da sua masculinidade na barra sólida de madeira viu-se ainda rodeado de teias de aranha de dimensões sobrenaturais coisa que o deixava em pânico. Controlou os nervos, resistiu à dor e o mais rapidamente que conseguiu desceu, abandonando o local.
Já no quintal surgiram os pais, preocupados com o estrondo provocado pela queda mas sem perceber o que tinha acontecido.

- O que se passou? Porque estás assim vermelho?
- Nada... não sei... estive a correr...
- Foi?! Então o que é aquele buraco no telhado?!


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