Coisas de miúdos (IV)

A atracção por carros desde cedo o atacou e frenquentemente as suas brincadeiras passavam por longas viagens imaginárias ao volante dos carros dos seus pais ou dos avós.
Sempre que tinha oportunidade arriscava o rodar da chave até à segunda posição, ligar as luzes e os piscas não sabia a muito mas sempre tornava a brincadeira mais próxima do real. Uma vez por outra cedia à tentação de ouvir o roncar do motor e a adrenalina subia a pique.
Naquele dia, aproveitou a ida dos pais ao café para treinar as manobras de condução. Rodou a chave e ao som metálico do arranque seguiu-se a vibração do motor. Mal chegava com os pés aos pedais mas sentia-se capaz de sair da garagem dos avós em marcha-atrás. Sempre a direito iniciou a marcha, saiu da garagem sem dificuldades e voltou a entrar parando mesmo antes de bater na parede do fundo. Repetiu a manobra vezes sem conta até ao ponto de se tornar monótona decidiu por isso entrar na garagem e virar à esquerda, desalinhando o carro da saída do portão. O sucesso da manobra deixou-o orgulhoso mas a posição distinta do carro por certo denunciaria a sua brincadeira. Necessitava, portanto, de devolver o automóvel à sua posição original.
Engrenou a marcha-atrás, mal via pelo vidro traseiro mas era necessário controlar a passagem do carro pela abertura do portão. Arrancou, acelerou um pouco, mas o pouco revelou-se demais, a trajectória alargou e depois da quase totalidade do carro ter passado pelo portão, a lateral direita da frente bateu com estrondo na grossa parede de pedra e cimento da garagem.
O automóvel, encaixado na parede, o pára-choques arrancado, a chapa torcida eram impossíveis de disfarçar.

À chegada dos pais estava lavado em lágrimas, em pânico pelas consequências da sua brincadeira mas foi acalmado por uma reacção compreensiva e as palavras dos pais que lhe garantiam que não era mal que não tivesse solução.

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