Morrer com dignidade

Brittany Maynard, de 29 anos, é uma norte-americana que descobriu em Janeiro deste ano que padecia de um cancro cerebral. Em Abril, depois de um crescimento exponêncial do tumor, foi-lhe comunicado que lhe restavam 6 meses de vida.
As consequências do avanço da doença levariam a jovem americana a um nível de sofrimento imenso, agonizando até à morte com dores que possivelmente os medicamentos não serão capazes de travar. Consciente do caminho a percorrer Brittany mudou-se para um dos 5 estados norte-americanos onde é possível solicitar o direito a uma morte com dignidade.
Tem data de morte marcada para 1 de Novembro próximo caso a doença não se atencipe.

Em Portugal, assim como na grande maioria dos países, a eutanásia não é legal e chega a ser assunto tabu. Existe, no entanto, a figura do testamento vital (para quem desconhece pode consultar mais informação aqui).
Embora me pareça muito pouco para permitir a defesa do direito à dignidade em todo e qualquer momento da vida de uma pessoa é um passo importante no sentido de permitir que qualquer indivíduo decida sobre temas que só a ele lhe dizem respeito.
Muitos dirão, "A eles apenas, não! E a família? E os filhos? E os pais? E os cônjuges? E os amigos?". Sim. Concordo que as decisões sobre a vida ou a morte tocam a mais pessoas que a própria, mas como muitas outras coisas cabe a cada um lidar e decidir, tendo em conta a opinião de quem quiserem, analisando o como e quando da mesma forma que analisam em muitas outras decisões que também podem influenciar as pessoas em seu redor.

A opção pela própria morte pode parecer um acto egoista de quem sabe que vai sofrer mas, pensando friamente, não seremos muito mais egoistas impedindo alguém que quer partir de o fazer? O que ganhamos com manter uma pessoa em sofrimento intenso muitas vezes privada da sua dignidade?
Há tantas situações em que é importante defender a vida e assobiamos para o lado e numa situação diagnosticada, cientificamente traçada e perfeitamente definida pretendemos fintar o destino em busca de um milagre que por certo não acontecerá. Lutar pela vida sim mas não contrariando o direito a decidir de cada um de nós.

Aliviando a questão... estive a dar uma vista de olhos ao formulário do testamento vital.
Para além da identificação do próprio podemos indicar um procurador de saúde. Suponho que seja uma pessoa da nossa confiança que possa negociar e decidir sobre os nossos orgãos internos no momento em que nos seja impossível faze-lo autonomamente.

De seguida devemos indicar as situações clínicas em que o testamento se aplica, facilmente se resumiria a uma única opção - todo fodido e incapaz de comunicar ou decidir autonomamente - mas decidiram colocar 3 opções e ainda uma quarta que permite descrever outra qualquer situação, por exemplo, crise hemorroidal após uma fausto repasto num restaurante indiano onde se carregou no picante. O que foi?! Devem pensar que é fácil tomar decisões conscientes numa situação dessas!

Finalizando o formulário devemos optar pelos cuidados de que queremos ou não ser alvo. No fundo são dois grupos de opções que permitem optar entre prolongar o sofrimento ou cortar o mal pela raíz, servir de cobaia para experiências científicas ou não colaborar em brincadeiras de laboratório, não receber transfusões, matarem-nos à sede, enfim, umas quantas opções num grupo que me parece bastante limitado mas que também apresenta a opção de campo aberto onde será possível indicar outras vontades, por exemplo, rejeitar veementemente qualquer intervenção de um proctologista.

E diram vocês, que mau gosto começar um post com um assunto tão sério e terminar desta forma... talvez tenham razão. Mas com ou sem bom gosto o certo é que defendo com unhas e dentes que se algum dia chegar em que eu esteja no estado todo fodido e incapaz de comunicar ou decidir autonomamente por favor, deixem-me ir à minha vida... ou morte neste caso, senão... ai senão... podem ter a certeza que vou estrebuchar até ao limite do impossível, para além de vomitar e borrar tudo à minha volta até se fartarem de mim e me darem uma injecção letal.

Com isto acho que ninguém me leva a sério... enfim...


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