Coisas de miúdos (III)

Era daquelas meninas carentes e muito inocentes que seguiam a máxima "quanto mais me bates mais gosto de ti". Nem bonita nem feia, assim uma falsa bonita, tinha ângulos bons e ângulos maus. Mas naquelas idades pouco importa, ou importa um pouco mas não é fundamental.
Hoje em dia dir-se-ia vítima de bullying, há altura era apenas crueldade e brincadeiras parvas dos colegas machos. Ele ia um pouco atrás da "manada" mas servia também de seu protector.
Ela declarou-se a ele, numa atitude arrojada, gravou uma cassette, que ele ainda hoje guarda qual documento classificado que lhe provocou um misto de vergonha alheia e de orgulho tal era a quantidade de segredos revelados.
A história não os iria juntar nunca. As diferenças eram por demais evidentes e a imaturidade não lhes permitia lutar contra o destino.

Certo dia, ele e os seus melhores amigos decidem visitá-la na sua casa. A ausência dos seus pais permitiria elevar o nível das tropelias para um patamar muito acima do normal, um patamar de parvoíce e inconsciência verdadeiramente incrível.

Primeira parte do plano, ele surgiria sozinho. Tocaria à porta e depois de entrar deixaria a porta aberta para os seus amigos se infiltrarem sem o conhecimento dela e procurarem esconder-se numa das divisões da casa. Escolheram o quarto dos pais dela, debaixo da cama.
Segunda parte do plano, como manobra de distracção ele deveria encetar um diálogo com ela na sala para que os seus compinchas pudessem entrar na cozinha e ligar os bicos do fogão, não sem antes abrirem a janela da cozinha (por sugestão dele) permitindo assim que o acidente iminente tivesse consequências mínimas.
Terceira parte do plano, depois de serem expulsos da casa, coisa que por certo aconteceria, utilizariam um pequeno frasco de álcool, que tinha levado para o efeito, para incendiar o tapete da entrada.

Felizmente, o plano detalhadamente discutido não resultou na prática, possivelmente de tão palerma que era, e o segundo passo do plano foi colocado a descoberto segundos depois de ter sido realizado. O barulho de risos dos compinchas não permitiu que grande quantidade de gás fosse libertada e evitou-se uma tragédia que ninguém pretendia que tivesse acontecido.
Foram expulsos de imediato. Quem poderia recriminá-la por tratar assim as indesejadas visitas?
O final da operação foi alterado, por sugestão dele, o álcool ardeu no mármore frio do patamar e apenas resultou numa pequena inundação provocada pelo jarro de água que ela despejou sobre as chamas.

Ontem como hoje, a estas situações não se deveria chamar bullying apenas estupidez pura e dura.

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